Desafiando o futuro incerto

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Governos, empresas e pessoas devem agir rapidamente, porque o planeta está ficando mais quente e as pessoas estão ficando doentes

O ano de 2023, que termina nos próximos dias, é a prova de que sérias mudanças estão acontecendo naquele que já foi considerado um subsistema terrestre resiliente à ação humana. Vistos em perspectiva, vários acontecimentos nos deixam preocupados, ainda que com alguma esperança de que conseguiremos superar os grandes desafios que temos pela frente.

A Guerra da Rússia com a Ucrânia, que completará um ano e dez meses no próximo dia 24 de dezembro, cedeu espaço na mídia para os ataques de Israel à população palestina que reside no país e nos territórios palestinos da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, em resposta ao ataque do Hamas feito na manhã de 7 de outubro de 2023, no Sul de Israel. Mas, ao longo de todo ano, as mudanças no clima na Terra foram destaque no Brasil e no mundo.

No Relatório Síntese do 6º Ciclo de Avaliação (AR6) do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), cinco pontos podem ser destacados, conforme aponta o Clima Info: i) a mudança climática já está acontecendo ao nosso redor; ii) os combustíveis fósseis são a principal causa das mudanças climáticas; iii) políticas atuais estão perdendo a janela de oportunidade para garantir um futuro habitável; iv) é necessária uma mudança urgente e transformadora para limitar o aquecimento global; e v) existem opções de mitigação disponíveis em todos os setores que poderiam, juntas, reduzir pela metade as emissões globais de gases de efeito estufa (GEE) até 2030.

As mudanças são realidade, a esperança uma necessidade

Estimativas apontam que no fim de 2023, a Terra atingirá a marca de 40,9 bilhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera. Um estudo divulgado na revista Science analisou as assinaturas biológicas e geoquímicas para reconstruir o registro histórico de CO2 na atmosfera do nosso planeta desde 66 milhões de anos antes de Cristo até a atualidade, com uma precisão sem precedentes. Os autores concluem que a última vez que os níveis de CO2 se aproximaram dos atuais foi há cerca de 14 milhões de anos.

O verão e a primavera de 2023 foram marcados por chuvas acima da média,  com inundações fatais no Paquistão, ondas de calor fulminantes na Índia e secas na África. No Brasil, não faltaram desastres. Em fevereiro de 2023, e um ano depois da calamidade que atingiu Petrópolis (RJ), quando mais de 200 pessoas morreram, o litoral Norte de São Paulo foi castigado por grandes volumes de chuva registrados em um curto intervalo de tempo. Na Praia de Guaratuba, em Bertioga, foram 834 mm de chuva até o dia 21 de fevereiro. Em São Sebastião, choveu 779 mm entre 01 e 21 de fevereiro de 2023. O alto volume de chuvas, associado à movimentação de massa em topografia íngreme e à ocupação de áreas de risco sem planejamento urbano, causou a morte de mais de 60 pessoas atingidas por deslizamentos de terra e enxurradas.

Dados do INPE apontam que em novembro deste ano os alertas de desmatamento no Cerrado chegaram a 572 km², o pior da série histórica que começou em 2017. A boa notícia é que a Amazônia, cuja série histórica se iniciou em 2015, registrou a sua menor taxa no mesmo período.

A crise climática é um desafio para todos, mas nem todos são igualmente responsáveis por ela. O relatório Igualdade Climática: um Planeta para os 99%, lançado pela Oxfam em 20 de novembro passado, aponta que em 2019 o 1% mais rico da população mundial foi responsável por 16% das emissões globais de carbono, equivalente às emissões dos 66% mais pobres da humanidade (cerca de 5 bilhões de pessoas).

Mudanças climáticas causam doenças e ansiedade

Mas não só o clima está mudando. Pesquisadores destacam que a forte desigualdade social deve ter impacto direto sobre quem mais sofrerá com os efeitos das mudanças climáticas na saúde, pelo surgimento de novas doenças ou pelo crescimento do número de casos de doenças já conhecidas, como a dengue, malária e febre amarela, transmitidas principalmente por mosquitos (arboviroses). Cassia Lemos, pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e uma das articuladoras da plataforma AdaptaBrasil MCTI, aponta que as doenças que mais devem aumentar com as mudanças climáticas são as arboviroses. Criado em 2020, o AdaptaBrasil  é uma plataforma que integra índices e indicadores de risco de impactos das mudanças climáticas nos recursos hídricos, na segurança alimentar, na segurança energética, na infraestrutura portuária, na saúde, nos desastres hidrológicos e na infraestrutura ferroviária e rodoviária do país.

O comportamento das pessoas também está mudando. Em junho de 2022, uma pesquisa global coordenada e publicada pelo Programa de Comunicação sobre Mudanças Climáticas da Universidade de Yale buscou identificar crenças, atitudes, preferências políticas e comportamentos sobre mudanças climáticas em 192 países, incluindo o Brasil, por meio de respostas de mais de 108 mil usuários do Facebook maiores de 18 anos. Uma das principais conclusões foi de que a grande maioria dos entrevistados não apenas acha que as mudanças climáticas estão acontecendo, como concordam que elas são, pelo menos parcialmente, causadas por seres humanos.

Ou seja, os eventos e transtornos causados pelas mudanças climáticas contribuem cada vez mais para estressar pessoas ao redor do mundo. Essas emoções têm sido descritas como ansiedade climática ou ecoansiedade. 

A Academia Brasileira de Letras define como ecoansiedade (ou ansiedade climática ou ainda ansiedade ecológica) o estado de inquietação e angústia desencadeado pela expectativa de graves consequências das mudanças climáticas e pela percepção de impotência diante dos danos irreversíveis ao ambiente. O Conselho Regional de Psicologia do Paraná aponta que a sensação de impotência e de que governantes e empresárias(os) pouco fazem para ajudar a natureza – quando não jogam contra – potencializa o sofrimento.

Um símbolo desse sentimento tem sido Greta Thunberg, a ativista ambiental que desde 2018 cobra  de governos e instituições uma posição efetiva em relação às emissões GEE e medidas que priorizem a sustentabilidade. Ela não está sozinha. David Lammy, por exemplo, membro do Parlamento inglês, aponta em palestra no TED  que a justiça climática não pode acontecer sem justiça racial; e pede a inclusão e o apoio da liderança negra e das minorias em questões climáticas.

Ainda é possível mudar

Em 30 de novembro último, iniciou-se em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos (EAU) a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas 2023, a COP28.  Foi presidida pelo sultão Al Jaber,  que dirige a Abu Dhabi National Oil Company (Adnoc) empresa petrolífera estatal e preside uma empresa de energia renovável criada pelo governo dos EAU, ativa em mais de 40 países, que investe em projetos de energia solar e eólica. Mas para Al Jaber, à revelia de incontáveis estudos científicos, “não há nenhuma ciência por aí, ou nenhum cenário por aí, que diga que a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis é o que vai fazer atingir a meta de restringir o aquecimento global a 1,5º C”. Com mais de 90 mil inscritos, um recorde na história das cúpulas do clima, a COP28 foi também a recordista em lobistas do petróleo (2.456 nomes), três vezes maior do que o recorde até então, no Egito em 2022. O fim da COP28, previsto para a manhã do dia 12 de dezembro, foi adiado porque o rascunho do documento final apenas sugeria a transição de combustíveis fósseis (petróleo, gás e carvão), que atualmente respondem por cerca de 80% das fontes de energia global.  Depois de muitas negociações, a  plenária final da COP28 aprovou, por volta de 11 horas da manhã de 13 de dezembro (4h da manhã no Brasil) a transição dos sistemas energéticos baseados em combustíveis fósseis para sistemas baseados em energias renováveis. Uma mudança sutil mas muito significativa.

Ainda que a linguagem do texto final seja considerada fraca por muitos especialistas em clima e por líderes de países insulares, os mais vulneráveis às consequências do aquecimento do planeta, a COP28 termina sugerindo que a era do petróleo pode estar caminhando para o fim. E deixa para o Brasil uma grande responsabilidade. Sanda Ojiambo, CEO e Diretora Executiva do Pacto Global da ONU, em entrevista ao O Assunto, destacou que “não existe um mundo neutro em carbono se o Brasil falhar”. Ela justifica que temos uma das matrizes energéticas mais limpas do planeta e, somados ao Congo e à Indonésia, 80% das florestas tropicais do mundo. “Isso traz várias vantagens comparativas para o Brasil”, conclui.

A delegação brasileira observou que a COP30, que deverá ocorrer em 2025 em Belém (PA), está sendo bastante aguardada, pois marcará os 10 anos do Acordo de Paris e será a primeira conferência da ONU sediada em uma cidade na Amazônia. Além disso, só nos últimos dias da COP28 decidiu-se conceder o comando da COP29 ao Azerbaijão, berço da indústria moderna de combustíveis fósseis, na qual se baseia 75% de sua economia, e com um péssimo histórico de direitos humanos. Será o terceiro ano consecutivo de COP em país autoritário.

Ou seja, o Brasil tem pela frente uma importante missão: na COP30 os países deverão entregar à ONU, suas novas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC na sigla em inglês). Nosso país tem grande potencial de energia eólica e de energia solar, vantagens energéticas únicas em relação aos demais países do mundo, e pode contribuir de forma efetiva para a redução dos impactos do clima no Brasil e no mundo por meio da redução do desmatamento na Amazônia. Além disso, dispõe de políticas públicas eficientes para adaptação da agricultura brasileira aos impactos das mudanças climáticas.

São ações que já estão em curso e que dão a todos nós da Fauna Projetos motivo para permanecermos otimistas, continuarmos trabalhando e desejar a todos Boas Festas e um ano de 2024 de muitas e importantes realizações.

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