Eduardo Delgado Assad
Diretor Executivo – Fauna Projetos
Segundo as informações da NOAA, no início do mês de março de 2024 o “temido” El Niño começou a perder a força. Em outras palavras, as águas do Oceano Pacífico tendem a se esfriar.
Essa é a posição de hoje.
Como se trata de um fenômeno dinâmico, é totalmente prematuro, a partir do mês de março, dizer que estamos entrando num ano de La Niña. É preciso aguardar para emitir qualquer parecer. O resto é especulação.
Mas por que teme-se tanto o El Niño?
Os principais impactos do El Niño no Brasil, de uma maneira geral, são mais chuvas na região Sul e seca no Norte da Amazônia e na região Nordeste. O que aconteceu neste ano quando os agricultores “culpam” o El Niño como a principal causa das perdas na agricultura?
Essa posição é no mínimo um exagero.
Desde 1950, El Niño e La Niña são monitorados no oceano e neste período de 74 anos foram identificadas 73 indicações de anomalias, sendo 26 positivas (El Niño) e 25 negativas (La Niña). Concentrando nossa análise nas anomalias positivas, dessas 11 El Niño foram considerados fracos, sete moderados, cinco fortes e quatro muito fortes, aqui já incluindo o ano 2023/2024.
Como é feita esta classificação? O índice Oceanic Niño Index (ONI) se tornou o padrão que a NOAA usa para classificar eventos El Niño (quente) e La Niña (frio) no Pacífico tropical oriental.
Mas pergunta que fica é:
Se foram observados quatro eventos fortes, nos anos 1982-83, 1997-98, 2015-16, e agora 2023-24, por que as perdas na agricultura foram consideradas como intensas e fortes, somente no ano 2023-2204?
O fato é que estudos recentes mostraram que as mudanças do clima tiveram peso maior do que o El Niño, chegando a quantificar que 25% dos efeitos de seca na Amazônia são decorrentes do El Niño e 75% são decorrentes das mudanças do clima.
2023/2024: Uma safra pra esquecer – Aprosoja“Todo este cenário climático negativo derrubou a produção e a produtividade. A safra de soja 2023/24 deve quebrar em 21% Mato Grosso, de acordo com pesquisa feita pela Aprosoja MT.
Em janeiro, o governo de Tocantins decretou situação de emergência em decorrência da estiagem. A Aprosoja TO estima, ao menos, 20% de perda na safra de soja 2023/24.
Em fevereiro foi a vez do governo de Goiás decretar emergência em 25 municípios. As projeções da Aprosoja GO indicam redução de pelo menos 15% no potencial produtivo em relação às estimativas iniciais, que eram atingir 17,5 milhões de toneladas.”
O curioso é que o impacto forte do El Niño não é na região Centro-Oeste. Como dito anteriormente, os maiores impactos são no norte da Amazônia e no Nordeste do país, com seca e fortes chuvas na região Sul. Porém, nós cientistas brasileiros estamos alertando há vários anos sobre a possível redução da oferta de chuva na região Centro-Oeste como consequência do desmatamento da Amazônia.
Deficiência hídrica causa a quebra de safra.
O chamado veranico também atingiu parte dos Estados do Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul. O Rio Grande do Sul, atingido por estiagens durante três safras seguidas (consequência do La Niña), desta vez teve uma safra melhor, mas o resultado a ser alcançado ainda é uma incógnita. O El Niño deste ano só veio potencializar os efeitos das mudanças do clima.
Ressalto que no Brasil foram observadas em 2023 nove ondas de calor, muito fortes, a maioria em períodos em que o El Niño ainda estava numa categoria moderada. Agora é aguardar o resultado da safrinha, com os dedos cruzados.
O fenômeno não é recente e se fossem adotadas as boas práticas mais resilientes, as secas episódicas de verão (veranicos) não provocariam perdas acentuadas e os agricultores não necessitariam recorrer mais uma vez – esta é a sexta vez em 30 anos – à securitização das dívidas decorrentes dos eventos climáticos. Não seguir um protocolo de plantio adequado à adaptação às mudanças do clima, que possui financiamento no Plano Safra, provoca perdas acentuadas.
Quem seguiu este protocolo, não perdeu.
Ainda bem que essas boas práticas estão se disseminando, ainda que muito lentamente, mas já existem exemplos concretos de que quem faz bem e direito não sofre impacto do El Niño. Ou seja, as perdas na agricultura neste ano, e em outros anos passados, são claramente consequência das mudanças do clima conhecido há mais de 50 anos e não de um evento climático isolado.
O Monitoramento regular da NOAA tem mostrado que as temperaturas dos oceanos estão subindo, assim como a absorção da radiação global no planeta. Aqui o objetivo não é pedir para acreditarem nas mudanças climáticas. Não é uma questão de crença, religião. São dados científicos que mostram claramente o que está acontecendo no planeta.
Vejam essa animação que mostra a evolução da temperatura do planeta nos últimos 150 anos.
No meu entender negar essa evidência é defender que a Terra é plana.
É preciso convencer boa parte dos agricultores que as mudanças do clima estão aí, presentes, e que parte da solução está na agricultura e nos sistemas agrícolas. O trabalho de Tarike Tanure et al. (2022)¹ mostra um avanço na percepção do impacto das mudanças do clima no setor da agricultura e foi constatado que em torno de 75% dos agricultores indicam que “sim, as mudanças ambientais podem trazer perdas na agricultura”. Vale lembrar que a ex-Ministra da Agricultura, Tereza Cristina, foi a primeira autoridade pública ligada ao agronegócio que enfatizou ”As mudanças do clima vão provocar perdas incalculáveis para agricultura”.
São informações mais confortantes, uma vez que é conhecido que as boas práticas agrícolas podem ser traduzidas em remoção de carbono e aumento da resiliência dos sistemas agrícolas. Colocar a culpa no El Niño é um erro e um oportunismo característico daqueles que buscam os benefícios do governo federal há anos. É necessário adaptar-se às mudanças do clima e reconhecer que estamos numa emergência climática, desafio para agricultores bem-informados e profissionais.
Quem não reconhecer isso, vai padecer. Quem viver verá.
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TANURE, TARIK ; FARIA DE ABREU CAMPOS, RAFAEL ; DOS REIS, JÚLIO CÉSAR ; BENZEEV, RAYNA ; NEWTON, PETER ; DE ARAGÃO RIBEIRO RODRIGUES, RENATO ; HERMETO CAMILO DE OLIVEIRA, ANA MARIA .