Maria Leonor Assad
O inverno no hemisfério Sul começou na tarde de 21 de junho passado, dia mais curto do ano, conhecido com solstício de inverno, e as previsões apontam que devemos ter no Brasil dias de calor e temperaturas até 3ºC acima da média. Este comportamento já havia sido previsto pelo diretor executivo da Fauna Projetos, Eduardo Assad, e colaboradores em capítulo do livro Climate Changes Risks in Agriculture, editado por Carlos Nobre, José Marengo e Wagner Soares, publicado pela Springer Nature em 2019.
E mais, neste momento, em que um calor anômalo afeta boa parte do nosso planeta, um estudo da Nasa, a agência espacial americana, que mapeou cinco regiões da Terra onde o calor pode tornar impossível a sobrevivência humana dentro de 50 anos, aponta que no Brasil estão incluídas áreas do Centro-Oeste, do Nordeste, do Norte e do Sudeste.
Ações de adaptação e de mitigação das mudanças do clima são urgentes e precisam ser multiplicadas. É necessário mudar, mas não existe um órgão internacional que possa coordenar essas ações, mediar interesses e apontar estratégias. E mais, mesmo que o mundo pare hoje de emitir gases de efeito estufa, serão necessárias décadas para dissipar os efeitos das mudanças climáticas em curso. Uma estratégia tem sido voltar no tempo e aprender com os que nos precederam na exploração de recursos naturais e tiram deles alimento, energia, meios de transporte e cuidados com a saúde. Afinal, temos conhecimento científico e existem ainda comunidades tradicionais que aprenderam a conviver com as potencialidades e limitações dos ambientes terrestres; no nosso caso, indígenas, quilombolas e pequenos agricultores rurais.
Aprendendo com as comunidades tradicionais e os pequenos agricultores
O Censo Demográfico do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), divulgado em 2022, aponta que temos uma população de 1,7 milhão de indígenas, dos quais mais da metade vivem na Amazônia Legal, e mais de 1,3 milhão de quilombolas que vivem em 1,7 mil municípios dos 5.565 existentes em todo o país. Esses grupos adotam sistemas agrícolas tradicionais (SATs) que apresentam uma grande diversidade, pois refletem elementos culturais, históricos, socioeconômicos e ecológicos. Neste sentido, constituem um conjunto de saberes, práticas e técnicas produtivas resilientes e sustentáveis. Como parte da Coleção Povos e Comunidades Tradicionais, a Embrapa publicou em 2019 o terceiro volume da coleção, intitulado Sistemas Agrícolas Tradicionais no Brasil, que apresenta 17 SATs brasileiros.
O último Censo Agropecuário foi realizado em 2017 e divulgado pelo IBGE em 2019. Os resultados definitivos apontam que, do total de 5.073.324 estabelecimentos agropecuários e aquicultores nacionais, 76,8% correspondiam à agricultura familiar (3.897.408), ocupando 23% do total da área dedicada a atividades agropecuárias. Esse grupo inclui produtores em terras arrendadas, extrativistas, produtores de mel, criadores de animais em beira de estrada, produtores na vazante de rios, roças itinerantes e em beira de estrada. De todo pessoal ocupado em agropecuária no Brasil, o Censo de 2017 aponta que a agricultura familiar ocupava cerca de 10,1 milhões de pessoas, dos quais 46,6% na Região Nordeste, 16,5% no Sudeste, 16% no Sul, 15,4 no Norte, e 5,5% no Centro-Oeste.
Um dos importantes modelos de adotados em pequenas propriedades, por pequenos agricultores, comunidades indígenas e de quilombolas, são os sistemas agroflorestais (SAFs), que permitem de uso e ocupação do solo com árvores plantadas ou manejadas em associação com culturas agrícolas e/ou forrageiras. Os SAFs são exigentes em mão de obra e levam anos para serem instalados efetivamente; em áreas menores, se tem maior controle das operações. As árvores produzem oxigênio por meio da fotossíntese e desempenham um papel importante na regulação do clima, na conservação da água e na purificação do ar. São um habitat importante para muitas espécies de plantas e animais. Plantar árvores também pode ajudar a diminuir a quantidade de dióxido de carbono na atmosfera, contribuindo para a mitigação das mudanças climáticas.
Conforme aponta o WRI Brasil,
“(os) sistemas agroflorestais já são uma realidade no Brasil. Há milhares de iniciativas de agricultores familiares produzindo e restaurando ao mesmo tempo no país todo. Na Amazônia, por exemplo, a Aliança pela Restauração da Amazônia identificou mais de 1.600 iniciativas de restauração por meio de SAFs no bioma. Na Mata Atlântica, o podcast Tom da Mata, do Pacto pela Restauração da Mata Atlântica, teve um episódio exclusivo sobre as agroflorestas. E movimentos sociais também apostam nos SAFs: o MST, por exemplo, colocou as agroflorestas como elemento-chave.”
O lançamento no início deste mês de julho do Programa Nacional de Florestas Produtivas (PNFP), com o objetivo de recuperar áreas degradadas para fins produtivos em estabelecimentos rurais da agricultura familiar e territórios de comunidades tradicionais é, portanto, oportuno. O programa será implementado em todos os biomas e visa fomentar processos de restauração produtiva em estabelecimentos rurais da agricultura familiar e territórios de povos e comunidades tradicionais, nos seis biomas brasileiros. Ainda que nem todos os biomas brasileiros sejam florestais, o PNFP visa a implantação de SAFs nos quais árvores ou arbustos serão utilizados em associação com cultivos agrícolas e/ou com animais, em uma mesma área, de maneira simultânea ou em uma sequência temporal.