Agricultura quilombola: tecnologia ancestral que conserva a biodiversidade brasileira

Compartir

Leonor Assad

Algumas notícias deste mês de junho apontam para um agravamento da crise climática no mundo: mundo teve o segundo mês de maio mais quente da história; mudanças climáticas deixam atmosfera mais ‘sedenta’ e agravam secas. Outras apontam que seus impactos também crescem:  desmatamento volta a crescer na amazônia; população de pinguins-imperadores está diminuindo mais rápido do que o esperado; declínio de animais dispersores de sementes dificulta combate às mudanças climáticas. Felizmente observa-se que ainda podemos contar com iniciativas inovadoras que contribuem para a mitigação e adaptação às mudanças do clima: indígenas da amazônia criam barco movido a energia solar e aposentam diesel; a ciência pode criar gado que arrota menos metano?; controle biológico ganha força como aliado contra as mudanças climáticas.

Quilombos: refúgios para escravos fugidos durante o período colonial

Como já apontado aqui, a agricultura brasileira, nossa principal fonte de alimentos, tem um papel muito importante na mitigação e na adaptação a mudanças do clima, tem um importante papel na captação de CO2 na atmosfera. Ela é praticada não apenas por grandes produtores, mas também por diversos grupos e comunidades, como por exemplo os quilombolas, os indígenas, os caboclos, os caiçaras e agricultores familiares.

Por exemplo, na porção Meridional da Serra do Espinhaço, que envolve os municípios de Bocaiúva, Olhos D’Água, Diamantina, Buenópolis, Couto Magalhães, Serro e Presidente Kubitscheck, comunidades quilombolas praticam o Sistema Agrícola Tradicional de Apanhadores(as) de Flores Sempre-Vivas. Este se tornou o primeiro Sistema Importante do Patrimônio Agrícola Mundial (SIPAM), reconhecido pela FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura). Além da coleta das flores, essas comunidades realizam atividades produtivas, como roças, criação de animais e coleta de frutos e plantas medicinais, que garantem segurança econômica e alimentar. Outra característica deste sistema é a transumância, ou seja, o deslocamento de grupos familiares da parte baixa da Serra do Espinhaço, onde se concentram as residências, as produções agrícolas e quintais agroflorestais e os espaços de criação, para a parte alta, onde são desenvolvidas as atividades de manejo da flora nativa e a pastagem do gado, passando por um período de vivência nas grutas, cavernas e ranchos das chapadas. Esse deslocamento, feito em diferentes elevações, que vão de 600 a 1400 metros de altitude, é realizado para o desenvolvimento das diferentes atividades produtivas dentro do ciclo anual e por toda a extensão dos territórios, o que configura um complexo sistema de conhecimentos dos diversos ambientes naturais da área.

Os quilombolas são descendentes de africanos escravizados que fugiram dos cativeiros e formaram  os quilombos, entre o século XVI e o ano de 1888, quando se deu a abolição da escravatura no Brasil. O quilombo, que na língua banto significa povoação, era o espaço físico de resistência à escravidão.

O Censo 2022 revelou que existem 1,3 milhão de quilombolas no país, em 1.696 municípios, com 8.441 localidades e 7.666 comunidades. Algumas, como o Quilombo dos Palmares, fundado no final do século XVI em Alagoas, chegou a abrigar mais de 20 mil pessoas e resistiu por quase um século até ser destruído em 1694. 

Grande parte das comunidades quilombolas está localizada no Nordeste, com destaque para o Maranhão e a Bahia. A população quilombola representa cerca de 0,65% da população total brasileira e a maioria das comunidades quilombolas está localizada no Nordeste, com destaque para o Maranhão e a Bahia. Cerca de 90% das comunidades quilombolas não possuem títulos de propriedade sobre seus territórios. E mais, os quilombos enfrentam desafios como a ameaça de desmatamento, a violência e o preconceito, além de dificuldades em acessar serviços públicos e políticas de desenvolvimento.

Nas comunidades quilombolas, a base alimentar se apoia em cultivos principalmente de culturas temporárias e culturas permanentes, como mandioca, milho, feijão, macaxeira, caju, acerola, mamão, banana, caju, umbu e coco. Dentre os produtos mais típicos da culinária quilombola estão os derivados da mandioca, como o beiju, o bolo, o grude (um tipo de bolo feito com goma de mandioca, coco e água) e a tapioca. Esses alimentos são preparados a partir de técnicas que remontam aos tempos ancestrais e refletem a adaptação dos quilombolas ao seu ambiente. 

No Estado de São Paulo, o mais populoso do Brasil, abriga várias comunidades quilombolas, localizados principalmente na região do Vale do Ribeira, principalmente nos municípios de Eldorado, Iporanga, Iguape, Cananéia, Registro, Miracatu e Barra do Turvo. Além destes, em Ubatuba tem-se o Quilombo da Fazenda, localizado no Sertão da Praia da Fazenda Ubatuba. Em Salto de Pirapora tem-se a Comunidade Quilombola do Cafundó, que existe oficialmente pelo menos desde 1888. Em Itapeva encontra-se a Comunidade Quilombola do Jaó, com cerca de 165 hectares, na qual o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) identificou 300 famílias em 2024.

Será que a agricultura brasileira do século 21 tem alguma coisa a aprender com a agricultura de povos tradicionais brasileiros como os quilombolas?

Suscríbete a nuestro boletín

Copyright © 2021 | FAUNA, PROYECTOS CON PROPÓSITO.
desarrollado por: studio dipe
es_ES

Suscríbete a nuestro

Boletín

Recibe en tu email cuando publiquemos nuevo contenido