A nova face do turismo na era da emergência climática

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Por Alice Assad

O planejamento de viagens tem algumas premissas básicas, de imediato três perguntas precisam ser respondidas: destino, época do ano e orçamento. Há 10 anos atrás essas três informações eram suficientes para se iniciar um atendimento, hoje em dia não são mais. 

Definir a melhor época do ano para se planejar uma viagem passou a ser um fator crítico e não mais um facilitador no planejamento de um roteiro. Há alguns anos atrás, era possível cravar para os clientes que em outubro não tem mais neve no Valle Nevado ou que era possível fazer cruzeiros fluviais no Rio Amazonas o ano todo. Esse tipo de informação conferia autoridade e conhecimento aos consultores. 

Mas, infelizmente, isso acabou. 

Enquanto eu escrevia esse texto eu me lembrei de algumas experiências completamente atípicas que eu já vivi em viagens. Já peguei 27ºC em pleno inverno em Barcelona, fiquei presa por três dias em Nova Iorque em razão de uma fortíssima nevasca, vi lagoas totalmente secas nos Lençóis Maranhenses na época de cheia e, mais recentemente, passei um calor insuportável em Orlando quando o verão já deveria estar arrefecendo. 

Na sessão “quando ir” das fichas técnicas não é mais possível considerar estações bem definidas, a palavra possibilidade passou a ser mandatória. 

Em 2024 aconteceu o adiantamento e prorrogação da temporada de neve no Valle Nevado, o que é assustador considerando que há 5 anos atrás o Chile teve o seu inverno mais seco e tiveram que recorrer ao uso de neve artificial. Em 2023 o parque das Cataratas de Foz do Iguaçu teve que fechar sua passarela em razão da imensa vazão de água, enquanto que apenas dois anos antes a estiagem severa mudou completamente a paisagem da atração. Essa semana choveu tanto no Deserto do Saara que um lago se formou, há 30 anos não se via tanta água na região. 

Nas duas últimas semanas, estávamos lendo notícias sobre os estragos causados pelo furacão Helene nos EUA e hoje todas as atenções estão voltadas para a perigosa passagem do furacão Milton em Orlando. 

O turismo está assumindo sua nova face na era da emergência climática. Se antes bastava entender sobre geografia e história para prestar um bom atendimento ao cliente, ignorar os efeitos das mudanças climáticas no setor é assinar o atestado de óbito. 

E isso não vale apenas para os consultores de viagem, o alerta serve para todos os envolvidos no setor: companhias aéreas, hoteleiros, operadoras e outros. 

Recentemente a ONU publicou um relatório em que apresentou as projeções para os próximos anos da elevação do nível do mar, entre as cidades mais afetadas duas são brasileiras e uma delas é o Rio de Janeiro, cujo nível da água pode atingir 16 cm até 2050. Isso significa que a sua costa ficará à mercê de inundações e corre-se o risco de parte da cidade ficar submersa. 

O cenário é igualmente preocupante para as ilhas do Pacífico como Tahiti, Bora Bora, Ilha de Páscoa, além de Boston, Nova Orleans, Nova Iorque, Osaka e Shanghai. E essas são algumas das cidades que correm risco pelo aumento do nível do mar, mas há outros fatores relacionados ao clima que afetam diretamente o setor, como por exemplo o desaparecimento de corais na Austrália e Nova Zelândia ou o agravamento da incidência do sargaço em praias do Caribe em razão do aumento da temperatura dos oceanos, sem contar a maior incidência de turbulências em voos. 

Trazendo para aspectos cotidianos as noites mais quentes trazem consequências como forte impacto na produção de frutas (vinho inclusive), gasta-se mais com consumo de energia para refrigerar espaços, há aumento na população de mosquitos, forte impacto no turismo de inverno e o desequilíbrio energético impacta diretamente no volume de chuva, que consequentemente, afeta a disponibilidade de água nos destinos. 

Em março de 2024 o Ministério do Turismo encomendou uma pesquisa sobre este tema que revelou que 63% dos entrevistados concordam que a atividade do turismo é prejudicada pelas mudanças climáticas como chuva, seca,  calor ou frio extremo. Essa mesma pesquisa mostrou que quase ⅓ dos entrevistadas afirmaram ter desistido de uma viagem ao Brasil motivados pelos efeitos do clima. Algo que também está sendo observado na União Européia, pois desde o ano passado, turistas estão preferindo viajar para locais com clima mais ameno como Irlanda, Escócia, Dinamarca, Suécia e Noruega no verão do que enfrentar temperaturas absurdamente altas nos países mediterrâneos. 

A nova era do turismo é alarmante e urgente, mas não é fatalística. 

Muito embora o IPCC já tenha deixado claro que o eventos climático extremos serão cada vez mais comum, furacão Milton que o diga, e o relatório da ONU tenha explicitado que mesmo que se alcance as emissões zero de CO2 na atmosfera o nível do mar aumentar mesmo no próximos anos, pois tudo o que foi absorvido pelos oceanos até então é proveniente de emissões passadas, há solução e ela possível. 

Individualmente empresas da iniciativa privada têm se movimentado para trabalhar a agenda da sustentabilidade, mas ainda não é suficiente. É preciso que grandes players do mercado assumam o protagonismo nesse sentido também. 

Recentemente, eu participei de uma reunião da Câmara Temática de Sustentabilidade e Ações Climáticas, ocasião em que foi discutido o Plano Clima Adaptação de Turismo que será apresentado pelo Brasil na COP 29 no Azerbaijão. Ali havia acadêmicos, membros do Ministério do Turismo, da Embratur, representantes de associações e destinos. Num dado momento foi falado sobre a criação do plano setorial de mitigação e adaptação do clima para o turismo, que nada mais é do que definir os patamares permitidos para emissão de gases de efeito estufa para todos os envolvidos no setor. Um passo importantíssimo a ser dado. 

Colocar a pauta de sustentabilidade à mesa não é uma tendência. Os efeitos das mudanças climáticas já fazem parte do nosso cotidiano e investir agora para se desenvolver ações de mitigação é mais barato do que daqui alguns anos quando a adaptação será urgente e estaremos lidando com uma situação de sobrevivência e não resiliência. 

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