Com as temperaturas no planeta batendo consecutivos recordes, todos somos responsáveis por ações de mitigação e de adaptação às mudanças climáticas.
A menos de dois meses do fim do ano, 2023 já deixa um rastro de destruição devido a eventos climáticos extremos. Recordes de temperatura, seca, incêndios, enchentes…Cidades inteiras praticamente destruídas nos hemisférios Norte e Sul. Ainda que o El Niño contribua para esses eventos, não é a única causa. Um studio mostra que 20 dos 35 sinais vitais planetários usados para monitorar a crise climática alcançaram valores recorde em 2023, criando um cenário jamais observado na história da humanidade. Em setembro, outro studio já havia mostrado que dois terços das condições favoráveis à vida humana na Terra já haviam sido comprometidos. Ainda que a grande maioria dos países tenha assinado o Acordo de Paris em 2015 comprometendo-se a reduzir emissões para limitar o aumento da temperatura global a 1,5°C (em relação aos níveis pré-industriais), o avanço na redução de emissões tem sido lento.
E mais, previsão divulgada pela Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (NOAA, na sigla em inglês) aponta que existe uma probabilidade superior a 99% de que 2023 seja o ano mais quente já registrado nos 174 anos da agência. No Brasil, Nota do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) aponta que em 2022 o valor bruto da produção agropecuária (VBP) foi o segundo maior em 34 anos de cálculo desse indicador. Houve bons resultados para diversos produtos, crescimento das exportações e dos preços agrícolas. Mas as altas temperaturas e a seca, especialmente no Sul e em parte do Centro-Oeste, estão causando perdas na produção de grãos (soja, milho e feijão, principalmente), e na pecuária, afetada principalmente pela diminuição da oferta de milho e soja. Com isso, o preço dos alimentos tende a aumentar nos próximos meses.
Marcello Brito, coordenador técnico da Academia Global do Agro da Fundação Dom Cabral, afirma em artículo do AgFeed, que num país onde o Agro representa quase 27% do PIB, 20% dos empregos diretos e com mais de 100 milhões de pessoas vivendo em insegurança alimentar1, é necessário um plano de transição justa para uma agricultura de baixo carbono que permita estimar quais serão os impactos para o país e para a inserção do Agro nos mercados internacionais.
Não é mais hora de pensar em transição
A urgência climática exige ações efetivas de pequenos e de grandes. De pequenos que precisam de terra para plantar e de grandes que precisam de práticas eficientes de adaptação e mitigação às mudanças do clima.
Mais de 80% de todos os alimentos produzidos no mundo têm como origem propriedades familiares, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). O Censo Agrícola do IBGE indica que a agricultura familiar é a base econômica de 90% dos municípios brasileiros com até 20 mil habitantes, com uma produção diversificada de grãos, proteínas animal e vegetal, frutas, verduras e legumes. Os agricultores familiares têm importância tanto para o abastecimento do mercado interno quanto para o controle da inflação dos alimentos do Brasil, visto que produzem cerca de 70% do feijão, 34% do arroz, 87% da mandioca, 60% da produção de leite, y 59% do rebanho suíno, 50% das aves e 30% dos bovinos.
Na outra ponta, Pelerson Penido Dalla Vecchia – Peleco para muitos pesquisadores e extensionistas que conhecem seu trabalho na Fazenda Roncador, em Querência (MT) – mantém em sua propriedade de 152 mil hectares, uma reserva legal que ocupa 45% da área, 700 km de estradas e mil pessoas vivendo na fazenda. Desde 2007, ele adota o sistema de integração lavoura-pecuária, que o permite manter 70 mil cabeças de gado em 18 mil hectares de pasto.
Crianças e adolescentes estão agindo porque é o futuro delas que está comprometido
Nina Gomes, foi nomeada em 2021 Agente Verde da Comlurb, um selo por meio do qual o órgão carioca de limpeza urbana reconhece aqueles que se mobilizam em prol do ambiente e praticam boas práticas de descarte do lixo. Na época, Nina estava com quatro anos de idade e já havia recebido o prêmio Tatuí de Ouro, do Instituto Ecológico Aqualung, por ter sido a criança mais jovem a ajudar a fazer a limpeza na praia de Copacabana. Para Nina, a praia é para “catar plástico, limpar o lixo da praia, brincar na areia e fazer castelinhos”. É assim que, sempre em tom lúdico e por vontade própria, tem feito a diferença e inspirado pessoas a se conscientizarem pelas causas ambientais no Rio de Janeiro.
Em 2019, em Suzano (SP), Julia Ziviani, na época com 13 anos, mobilizou vários moradores para reflorestar uma área de mata nativa, com nascente de rio e vegetação, que estava sendo devastada. No local, ela já havia visto lagartos, tucanos, corujas, sapos, preá, além da vegetação. No entanto, com o passar do tempo, foi surgindo lixo, entulho, queimadas, árvores derrubadas e risco para a saúde das pessoas. Julia procurou o prefeito da cidade, Rodrigo Aischiushi, e entregou pessoalmente uma carta pedindo autorização para fazer um mutirão com os moradores para limpar a área e plantar árvores nativas. A garota saiu de casa em casa, junto com amigos da escola e sob a supervisão da professora que propôs o desafio, conversando e convencendo as pessoas a participarem do mutirão. O resultado de todo esse esforço foi a retirada de três caçambas de lixo no local. Os voluntários plantaram 33 mudas de árvores floríferas e frutíferas e Julia ainda distribuiu flores entre os participantes.
Em 2022, o programa Criativos da Escola premiou dez iniciativas de alunos do Ensino Médio e Fundamental que estão cuidando do meio ambiente. Esse programa, criado em 2015, tem por propósito apoiar projetos de crianças e adolescentes que visam transformar suas realidades, reconhecendo-os como protagonistas de suas próprias histórias de mudança.
Esses são apenas alguns exemplos e vão ao encontro do que colocou Jane Goodall, conservacionista britânica de 89 anos, em palestra no Unibes Cultural, em São Paulo, no final de outubro passado: “Se nós não mudarmos, nos unirmos e começarmos a fazer as coisas de maneira diferente, chegará o dia em que será tarde demais. Chegaremos ao ponto de não retorno da destruição ambiental. E, se nos importamos com nossos filhos e com os filhos de nossos filhos, então, é hora de tomarmos uma atitude.”
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1- Ainda que muitas vezes fome e insegurança alimentar sejam considerados sinônimos, eles se referem a situações diferentes. A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) define que a insegurança alimentar é a situação de pessoas que não têm acesso regular e permanente a alimentos em quantidade e qualidade suficientes para sua sobrevivência. Ou seja, em situação de insegurança alimentar não se sabe quando, como e quanto irá comer em sua próxima refeição, colocando em risco sua nutrição, saúde e bem-estar. Já na situação de fome faltam alimentos necessários para suprir as necessidades do organismo para manter suas funções vitais. Informações da ONU apontam que em 2022 no Brasil 21,1 milhões de pessoas estavam em insegurança alimentar grave, caracterizado por estado de fome, e 70,3 milhões de pessoas estavam em estado de insegurança alimentar moderada, ou seja, com dificuldade para se alimentar.