Eduardo Assad faz um balanço da agenda climática 2023

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Caros colegas, 

O ano que terminou foi de grandes transformações no Brasil, em particular na mudança de rumo da política ambiental e da agenda climática. Vários eventos exigiram atenção especial no controle de danos causados e apontam a necessidade de ações rápidas para garantir a vida no planeta. Por sinal, não só o Brasil, um player importante no cenário internacional, enfrenta grandes desafios. 

O relatório Justiça Climática Agora!, da Oxfam Brasil, aponta a necessidade de ações rápidas para garantir a vida no planeta, que na última década o 1% mais rico da população ficou com cerca de metade de toda riqueza gerada e foi responsável por 16% das emissões de gases de efeito estufa. Portanto, a urgência de mitigar e de se adaptar aos efeitos das mudanças climáticas está relacionada a aspectos ambientais e a aspectos socioeconômicos, como a concentração de renda.

Novo governo, vida nova?

A mudança de governo em 2023 trouxe perspectivas promissoras. 

Em seu discurso de posse, em 1º de janeiro, o Presidente Lula prometeu adotar uma política de desmatamento zero na Amazônia e de emissão zero de gases de efeito estufa, responsáveis pelo aquecimento global. Afirmou que é possível ampliar o potencial agropecuário do Brasil sem desmatar, apenas aproveitando áreas de pastagem, já desmatadas ou degradadas. Lula também defendeu as demarcações de terras indígenas como maneira de combater o desmatamento. Pouco tempo depois, vimos aqui na Fauna a repercussão positiva dessa fala no meio empresarial. Desde o 1º semestre de 2023, está em curso um projeto para realizarmos o balanço de gases de efeito estufa de 400 fazendas de pecuária presentes em todo o país. Logo no início, foi possível verificar os resultados promissores de pecuaristas que estão comprometidos em fazer recuperação de pastagens e um manejo eficiente de rebanho. 

Ao tomar posse como ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva anunciou que o Brasil honrará compromissos internacionais assumidos na área climática e ambiental e a criação da Secretaria Extraordinária de Controle do Desmatamento e Ordenamento Ambiental Territorial. Ainda no início de 2023, Marina Silva e Fernando Haddad, ministro da Fazenda, representaram o governo federal no Fórum Econômico Mundial, realizado em Davos de 16 a 20/01. Haddad defendeu a produção de energia limpa e a integração regional dos países do centro e do sul do continente americano. Por outro lado, Marina Silva destacou que a responsabilidade de cuidar das florestas não é somente do Brasil e cobrou recursos financeiros dos países ricos para a conservação e preservação dos ecossistemas. 

Em concordância com a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, estamos finalizando a elaboração de um índice de vulnerabilidade social e climática para um importante estado brasileiro no setor agropecuário. O objetivo do nosso cliente é que este índice possa facilitar a metodologia de distribuição de benefícios, para garantir uma alocação mais justa e sustentável na região. 

Também finalizamos recentemente uma consultoria para o time de agro de um dos maiores bancos do Brasil, cujos objetivos centrais foram a construção do cálculo de emissão financiadas e apoio à definição dos objetivos de descarbonização no setor. Isto mostra que o mercado financeiro está se movimentando ativamente para oferecer crédito para aqueles que estiverem dispostos a atuarem de maneira mais sustentável e menos agressiva ao clima. 

Vale destacar que, o discurso do novo governo foi um alento quando comparado com o discurso do governo anterior, que aliás em termos de agenda ambiental era nulo. Entretanto, não se pode falar em esperança com ações que vão na contramão do mundo: a redução das emissões de gases de efeito estufa provenientes dos combustíveis fósseis. Permanece uma certa desconfiança se o que interessa é implementar uma séria e objetiva política ambiental ou fortalecer a exploração de petróleo no Brasil, a ver pelo “leilão do fim do mundo” realizado durante a COP 28. 

Por outro lado,  pelo menos temos um governo que tem ações propositivas, mesmo considerando a dúbia posição política-ambiental. Afinal,  é preciso pensar no país multidiverso e não somente na Amazônia. É fundamental expandir as ações das políticas ambientais  para todos os biomas.

Os efeitos das mudanças climáticas estão no nosso presente e não mais no futuro

Em fevereiro, chuvas causaram ao menos seis mortes no estado do Rio de Janeiro.  Mas, as maiores chuvas foram observadas na madrugada de 19 de fevereiro, no Litoral Norte de São Paulo, as quais ultrapassaram 600 mm/dia, as maiores já registradas. Deslizamentos e destruição de moradias afetaram toda região norte do Litoral de São Paulo, causando 64 mortes e inúmeros desaparecidos em São Sebastião, a cidade mais afetada. Lá, a Vila Sahy registrou mais da metade das mortes. 

Alguns eram turistas, mas a maioria eram moradores que vieram principalmente do Nordeste. No local, as moradias são simples, estão localizadas próximas à serra e os moradores trabalham principalmente em casas de alto padrão e em hotéis da região, ou como ambulantes. Fazem parte da população marginalizada que está mais vulnerável aos desastres naturais, muitos deles relacionados com as mudanças climáticas. 

São vítimas do racismo ambiental, expressão que tem sido usada para explicar o processo de degradação das condições de moradia, de trabalho e de renda, que afeta principalmente populações marginalizadas e pobres, como pretos, pardos e indígenas, que vivem na periferia de cidades e em áreas de risco. O problema da desigualdade é estrutural.

Ainda que não precisássemos de mais provas dos perigos do aquecimento global, em março, o Sexto Relatório de Avaliação (AR6), do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), detalhou as consequências do aumento dos gases de efeito estufa e os riscos irreversíveis da falta de atitude para mudar o cenário climático atual. 

O relatório mostrou alguns caminhos de mitigação, como a remoção de carbono por meio da restauração, bem como a importância do aumento do financiamento climático. Mas em abril, mais uma notícia triste: o nível do mar na década atual está aumentando duas vezes mais rápido do que na década anterior, devido ao derretimento extremo das geleiras e ao aumento do calor nos oceanos. 

Do discurso a prática 

Em junho do ano passado, o governo federal relançou o Projeto Salas Verdes que tem por objetivo incentivar a implantação de ambientes para atuarem como centros de informação e formação ambiental, em consonância com as diretrizes prioritárias do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) e os princípios da Política Nacional da Educação Ambiental (PNEA). Finalmente a educação ambiental passou a ser levada com a seriedade necessária, pois sem letramento climático não saímos do buraco. 

Em julho de 2023, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) passou a oferecer o Programa de Financiamento a Sistemas de Produção Agropecuária Sustentáveis (Renovagro), com linhas de financiamento para recuperação de pastagens degradadas (Renovagro Recuperação e Conversão), e para adequação ou regularização das propriedades rurais frente à legislação ambiental, inclusive recuperação da reserva legal (RL), de áreas de preservação permanente (APP) e áreas de uso restrito, recuperação de áreas degradadas e implantação e melhoramento de planos de manejo florestal sustentável (Renovagro Ambiental), com taxa de juros prefixada de até 7% ao ano. O valor máximo do financiamento é de cinco milhões de reais por cliente, por ano agrícola, e R$ 150 milhões para financiamento de empreendimento coletivo (observado o limite individual). Espera-se que com este incentivo nós cheguemos mais perto do cenário de eficiência na pecuária brasileira, sem desmatar e, sobretudo, reduzindo significativamente as emissões de gases de efeito estufa advindas de pastos degradados e mal utilizados. 

Será que ainda dá tempo?

Não tivemos trégua dos efeitos das mudanças climáticas no segundo semestre e o Brasil foi palco de novos eventos extremos. Entre junho e setembro, o Rio Grande do Sul foi atingido por nove ciclones extratropicais, formados pelo contraste de temperaturas das massas de ar quente e frio que se encontravam no Estado. E mais, foram registradas oito ondas de calor em 2023, que atingiram o país de Norte a Sul. A amplitude média dessas ondas foi de mais de 4°C acima da média das máximas nas regiões brasileiras. 

O relatório Estado Provisório do Clima Global 2023, da Organização Mundial da Meteorologia (OMM), publicado em 30 de novembro passado, apontou que a temperatura de 2023 deve ficar 1,4 °C acima dos níveis pré-industriais, indicando que este será o ano mais quente já registrado na história. O  recorde anterior, de 1,2ºC acima da média pré-industrial, fora registrado em 2016. E mais, 2023 pode ser considerado o ano no qual a hipótese de maior frequência de ocorrência de eventos extremos foi comprovada.

Em função da presença de um El Niño forte associado aos indicadores das mudanças do clima, adicionaram-se a isso alguns efeitos importantes: 

– Redução da oferta de chuva na região Centro
-Oeste, que provocou atraso no plantio de grãos. Vale destacar que parte dessa já é consequência do desmatamento na Amazônia;
– Seca muito forte na Amazônia, similar à observada em 2015-2016; e
– Temperaturas elevadas em quase todo país provocando perdas nas culturas de grãos.

Como consequência, a estimativa de safra de grãos divulgada no início deste ano pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) aponta que a soja, principal cultura agrícola no país, deverá alcançar 155,3 milhões de toneladas, ou seja, uma quebra de 4,2% em relação à expectativa inicial de 162 milhões de toneladas. As causas são o estresse hídrico e o excesso de chuvas no início do plantio em algumas áreas do Centro-Oeste e do Sul do Brasil, e  falta de chuvas em áreas em que a soja está na fase reprodutiva. E mais, 2023 foi o primeiro ano no qual foram observadas no Brasil mortes de bovinos por ondas de calor.

Em 2023, realizamos três projetos cuja finalidade foi avaliar o risco dos efeitos climáticos nas culturas estratégicas de três empresas que atuam no agronegócio brasileiro. Há alguns anos essa tem sido a consultoria mais procurada aqui na Fauna e acredito que este tipo de análise passará a ser cada vez mais necessário para empresas que buscam se antecipar aos efeitos das mudanças climáticas e, sobretudo, agir para reduzir os seus danos. 

Mas infelizmente, e conforme apontamos recentemente em entrevista ao Canal Rural, 40% do agro brasileiro, que envolve cultivo agrícola (agricultura) e a criação de animais para abate (pecuária), ainda acha que não existem mudanças climáticas. Essa visão extremamente conservadora do agro brasileiro, prejudica mais do que ajuda o setor. Na maioria das vezes, o que se difunde é a apenas sustentabilidade econômica do setor agropecuário brasileiro. Muito ainda precisa ser feito para garantir a sustentabilidade da atividade como um todo, considerando os aspectos econômicos, ambientais, sociais e tecnológicos. Negar as mudanças do clima, atrasa o que é necessário ser feito para mitigá-las.

Em Brasília, o Projeto de Lei (PL) 2.148/2015, que cria o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), foi aprovado em dezembro pela Câmara dos Deputados e deverá ser discutido no Senado em 2024. Esse PL estabelece tetos para emissões e prevê regras para a venda de títulos de compensação. Com efeito, o Brasil é um dos maiores emissores de gases de efeito estufa (GEE), produzindo cerca de 2 bilhões de toneladas de gás carbônico por ano. Se aprovado no Senado, várias ações poderão gerar créditos de carbono, como: recomposição, manutenção e conservação de áreas de preservação permanente (APPs), de reserva legal ou de uso restrito e de unidades de conservação; unidades de conservação integral ou de uso sustentável com plano de manejo; e projetos de assentamentos da reforma agrária. Além disso, assentados da reforma agrária, povos indígenas e comunidades tradicionais ficarão autorizados a entrar no mercado por meio de associações. 

O futuro da vida humana na Terra é responsabilidade de todos 

Iniciamos 2024 e o El Niño deve reduzir de intensidade até o fim de fevereiro. Entretanto, a tendência de aumento de temperatura permanece. Esperam-se mais ondas de calor e mais chuvas torrenciais, mas pelo menos começamos a dar a devida importância aos povos originários, os principais defensores do clima. 

Em 5 de janeiro deste ano foi  instituído o Selo Indígenas do Brasil que identifica a origem étnica e territorial de produtos da agricultura familiar, extrativista e artesanal. De acordo com o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), produtores individuais, associações, cooperativas e empresas que produzam principalmente com matéria-prima de origem indígena poderão usar o selo, desde que a comunidade concorde com a identificação. Tal selo, reforçará a comercialização dos produtos da biodiversidade  revertendo em renda para as comunidades até então desassistidas. Um ponto positivo para as ações da bioeconomia.

Cabe destacar também duas outras políticas que foram sancionadas recentemente e que apontam para uma relação mais harmoniosa entre populações e ambiente. Em 15 de dezembro passado foi sancionada pelo Presidente Lula a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB), revogando finalmente os dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei n° 5.452, de 1º de maio de 1943. A Lei nº 14.755 discrimina os direitos das populações atingidas por barragens (PAB); prevê o Programa de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PDPAB); e estabelece regras de responsabilidade social do empreendedor.

O que vemos é a multiplicação de  iniciativas que buscam amenizar os efeitos das mudanças do clima, por meio de ações de mitigação e de adaptação. Os impactos, que agora vêm sendo observados pela população, estão estimulando a mobilização das pessoas, de empresas e de organizações para a mitigação de impactos das mudanças climáticas, principalmente em áreas urbanas. E isto é um ótimo sinal. São muitos os desafios, mas multiplicam-se iniciativas de pessoas físicas e jurídicas para tornar o clima em cidades mais ameno. 

Um exemplo é o Projeto ArboreSer, em Ribeirão Preto, que reúne voluntários (empresários, profissionais liberais, sociedade civil) com o objetivo de arborizar a cidade e transformá-la em uma cidade mais verde e com um clima mais ameno. Nós decidimos compensar as emissões da Fauna por meio do plantio de árvores. E fazemos esta recomendação aos nossos clientes: plantem árvores sempre escolhendo projetos que façam sentido com os valores da sua empresa.

Espero que 2024 seja um ano de virada na percepção de produtores agrícolas e de empresas: precisamos ampliar as ações de mitigação e de adaptação às mudanças climáticas. Temos conhecimento científico e tecnológico. Precisamos agir. Os projetos propostos até agora estão em teste. É necessário dar escala a todas essas ações. As iniciativas se multiplicam e todas são promissoras. Afinal, elas agregam pessoas em torno de um propósito comum e fundamental: garantir o futuro de jovens e crianças de hoje. Plantemos árvores e economizemos água.

Desejo a todos um ótimo 2024 e vamos em frente! 

Eduardo Assad
Diretor Executivo
Fauna Projetos

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