Injustiça climática: os que emitem menos CO² sofrem mais com ondas de calor

Paraisópolis, na zona sul de São Paulo, uma das maiores favelas da América Latina e a terceira maior do Brasil, sofre com a falta de ventilação adequada visto que as casas estão muito próximas umas das outras. Foto: VAN CAMPOS/ESTADÃO

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Leonor Assad

Não é de hoje que cientistas apontam os riscos de mudanças no clima da Terra. Cientistas como Alexander Von Humboldt (Berlim, 1769-1859) e Charles Darwin (Inglaterra, 1809-1882) já apontavam que desmatamentos e alterações drásticas do ambiente causariam impactos no clima porque tudo está conectado. Atualmente, grande parte da comunidade científica mundial concorda que a ação humana é a principal responsável pelo aquecimento global.

Mas se até algumas décadas atrás o assunto era discutido em fóruns e eventos científicos, agora os efeitos das mudanças no clima alcançam as ruas de cidades e áreas agrícolas mundo afora. O que antes era previsão, agora é fato.

No Brasil, não faltam cenários de secas, incêndios, ondas de calor e inundações cada vez mais intensas. Em 2024 , o Brasil registrou o maior número de queimadas e incêndios na Amazônia em 17 anos. E mais, as regiões Sudeste, Centro-Oeste e Norte enfrentaram seca severa. No Rio Grande do Sul, chuvas que ocorreram em 85% das 487 cidades gaúchas entre 28 de abril e 7 de maio, deixaram Porto Alegre e outros 470 municípios debaixo d’água, provocaram enchentes que afetaram 2,4 milhões de pessoas e cerca de 80 mil pessoas desalojadas e recolhidas em abrigos.

No Brasil, a Agência Brasil apontou em janeiro que chuvas intensas no Sul e Centro-Oeste do país e estiagem no Nordeste no início deste ano evidenciam cada vez mais os efeitos da mudança climática. Em entrevista à Agência Brasil, a Professora Mercedes Bustamante, da Universidade de Brasília, aponta que “se o problema tivesse sido abordado 30 anos atrás, e não o foi porque as forças negacionistas se organizaram muito rapidamente, talvez a gente hoje estivesse em um outro patamar dessa discussão”.

Conforme aponta um artículo publicado por pesquisadores brasileiros na Plos One, observa-se maior vulnerabilidade a ondas de calor em pessoas com baixa escolaridade, em pretos e pardos, em idosos e em mulheres. Ainda que as mudanças climáticas afete todo o planeta, ela não atinge todos da mesma forma. Enquanto o grupo dos 1% mais rico do mundo emite tanto CO2 quanto os dois terços mais pobres, isto é, uns 5 bilhões de pessoas, os efeitos das mudanças climáticas são mais mortais e danosos sobre estes últimos. Ou seja, os eventos climáticos não são democráticos.

No Rio de Janeiro, um studio da Way Carbon em parceria com a Redes da Maré, ONG criada por moradores e ex-moradores do Complexo da Maré, maior conjunto de favelas da cidade do Rio de Janeiro, aponta que há riscos altos e muito altos para ondas de calor, inundações fluviais e aumento do nível do mar até 2050. Na cidade de São Paulo, observou-se que nos verões dos últimos dez anos houve uma diferença média de 4,2 °C nas temperaturas máximas entre os bairros mais quentes e os mais frios, a qual aumenta para mais de 10 °C em dias de calor extremo. Em dias de pico de calor, Paraisópolis, uma das maiores comunidades de São Paulo, pode registrar até 10°C a mais do que o bairro do Morumbi, conhecido por ser uma área mais arborizada e de alto padrão. Como aponta o climatologista Carlos Nobre, pesquisador sênior do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP) e copresidente do Painel Científico para a Amazônia, “já se tem ciência de que populações com menos acesso a recursos, como os mais pobres, sofrem mais. Afinal, ter um ar-condicionado, por exemplo, já soluciona o problema”.

As mudanças climáticas deixaram de ser um risco futuro e hoje é realidade. E resistirão os que tiverem saúde e condições financeiras para investir em ambientes refrigerados e os que não precisarem se aglomerar na periferia de grandes cidades. Não é mais hora de discutir se as mudanças no clima estão ou não provocando impactos. Precisamos nos adaptar para atenuar seus efeitos.

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