Sistemas Agroflorestais: exemplo de economia circular no Brasil

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Maria Leonor Assad

No início deste mês de agosto, Mauro Galetti, professor titular da Unesp – Campus de Rio Claro, foi um dos vencedores do Prêmio Jabuti Acadêmico com o livro Um Naturalista no Antropoceno, dentro da categoria de Ciências Biológicas, Biodiversidade e Biotecnologia. Lançado no final de 2023 pela Editora Unesp, a obra é autobiográfica e faz reflexões sobre o futuro do nosso planeta. O último parágrafo é otimista.  Nele, Galetti afirma que “o Antropoceno1 não precisa ser o fim do mundo, um apocalipse, mas um reencontro com as coisas que realmente importam para os seres humanos e para a vida na Terra”.

Esse reencontro não tem respaldo nas ações de nossos políticos no Congresso Nacional. A reunião da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou, por 37 votos a 13, o projeto de lei (PL) 2168/2021, que considera como de interesse público barragens e obras destinadas à irrigação e ao abastecimento de água para o gado em Áreas de Preservação Permanente (APPs). Ou seja, permitirá o desmatamento sem controle na beira de nascentes e rios em todo país, poderá gerar instabilidade em todas as bacias hidrográficas e alterará o fluxo e a vazão dos rios brasileiros que sofrerem barramento desordenado, contribuindo para o agravamento das crises de falta de água e climática.

Pesquisas apontam que as populações mais pobres emitem menos carbono do que os grupos de renda alta, mas são as mais afetadas por ondas de calor. O relatório da Oxfam, Igualdade Climática: um planeta para os 99%, divulgado em novembro de 2023, aponta –entre outras desigualdades– que em 2019, o 1% mais rico do mundo foi responsável por 16% das emissões globais de CO2, equivalente às emissões dos 66% mais pobres da humanidade (5 bilhões de pessoas); e que as emissões globais anuais do 1% mais rico do mundo anulam a poupança de carbono de quase um milhão de turbinas eólicas terrestres.

Grupos de renda global e emissões de consumo associadas, em 2019.

Fonte: Igualdade Climática: um planeta para os 99%.

E mais, o primeiro relatório State of Wildfires 2023-2024,publicado na revista científica Earth System Science Data, aponta que fatores humanos, incluindo queimadas, exacerbaram a extensão dos incêndios na Amazônia Ocidental, amplificando o efeito das mudanças climáticas. E mais, a probabilidade desses incêndios aumentou de 20,0–28,5 vezes nessa região, que ocupa uma área de 2,2 milhões de km2 nos estados do Amazonas, Acre, Rondônia e Roraima.

Existem alternativas para o uso da terra na Amazônia

No início deste mês, o INPA (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), em Manaus, promoveu o Seminário Floresta Viva Amazonas, com apoio do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e da Eneva, que atua na exploração e produção de gás natural e no fornecimento de soluções energéticas para estimular a restauração ecológica no estado. Na ocasião, foram lançados dois projetos: “Restauração Ecológica Produtiva: Promovendo uma Paisagem Sustentável na Amazônia” e “Reflora – Recuperação Ecológica e Implantação de Sistemas Agroflorestais Multifuncionais”. Ambos integram a iniciativa Floresta Viva, que tem o Funbio (Fundo Nacional para a Biodiversidade) como parceiro gestor e executor.

Esses dois projetos envolvem o plantio de espécies nativas e a implantação de sistemas agroflorestais (SAFs), combinando culturas agrícolas com espécies florestais nativas, e ações para capacitar a população local e criar oportunidades de renda para as comunidades envolvidas, como a criação de uma rede de coletores de sementes de espécies nativas. Destaca-se que o BNDES já aprovou oito projetos do Floresta Viva para ações de recuperação em restingas e manguezais, com investimentos de mais de R$ 47 milhões.

Modelos de restauração de paisagens agrícolas com fins econômicos

Existem diferentes formas de gerar melhorias ambientais e, ao mesmo tempo, criar oportunidades de trabalho e renda no campo. Neste sentido, o WRI Brasil aponta os sistemas agroflorestais (SAFs), a silvicultura de espécies nativas e a integração lavoura, pecuária e floresta (ILPF). Cada um desses modelos apresentam especificidades e objetivos e têm em comum o fato de proporcionarem benefícios econômicos e ambientais.

Neste texto abordaremos os SAFs principalmente porque, dos três, é o mais accessível aos agricultores que se encontram na faixa dos 50% mais pobres e que são responsáveis por apenas 8% das emissões. Dados da Oxfam Brasil apontam que os estabelecimentos com área inferior a 10 hectares (classificados com pequenos agricultores) ocupam mais de 47% do total de propriedades do país, mas ocupam menos de 2,3% da área rural total.

Dentre as muitas características de um SAF, destaco o fato de serem sistemas produtivos  que se baseiam na sucessão ecológica, como em sistemas naturais, onde árvores, preferencialmente nativas do bioma, são consorciadas com hortaliças, raízes, tubérculos, trepadeiras, forrageiras, arbustos, seguindo um planejamento do espaço e tempo dos cultivos escolhidos, com alta diversidade de espécies e muitas interações entre elas. A rigor, trata-se de prática antiga, muito utilizada em ambiente tropical por indígenas, quilombolas e outras comunidades tradicionais.

Os SAFs simulam ciclos da natureza, com foco na produtividade constante e eficiente, visando a diversificação de produtos, a redução de custos, a melhoria do ambiente, sem uso de insumos externos.

Os recursos e o retorno da produção são gerados constantemente e ocupam diversos estratos (alturas). Com isso, otimizam-se o uso da terra, a preservação ambiental e a produção de alimentos, conservando o solo. SAFs são permitidos em Área de Reserva Legal (ARL) ou Reserva Legal (RL), em áreas de proteção permanente (APP) de pequenas propriedades ou de posse rural familiar e em Área de Uso Restrito (AUR) como pantanais, planícies pantaneiras e áreas com declividade de 45% a 1% (25º a 45º) e em áreas consolidadas2.

Cabe destacar que em SAFs podem ser usados para restaurar florestas e áreas degradadas desde que o plantio de espécies exóticas não ultrapasse 50% da área a ser recuperada.

Os princípios básicos dos SAFs são:

  • Proporcionar cobertura e proteção do solo;
  • Não utilizar agrotóxicos;
  • Fazer podas seletivas e introdução de espécies para proporcionar a reciclagem e a renovação de nutrientes do solo em função da quantidade e diversidade da biomassa;
  • Promover a ciclagem de nutrientes por meio da produção de matéria orgânica e do manejo do solo, para garantir a nutrição de espécies comerciais;
  • Promover a sucessão ecológica ao longo do tempo;
  • Manejar a estratificação de forma a reproduzir a dinâmica de uma floresta nativa, por meio de podas periódicas;
  • Utilizar espécies de ciclo curto (hortaliças, culturas anuais), ciclo médio (banana, abacaxi e outras) e ciclo longo (café, palmitos, frutíferas, árvores madeireiras).

A alta diversidade de culturas em diferentes tempos, bem como a criação de abelhas

ou fungos, incrementa a renda do agricultor.

Existem diferentes arranjos (silviagrícola, silvipastoril, roça temporária, capoeira melhorada), os quais dependem das características da área disponível, do perfil do agricultor, das condições climáticas e das características do solo. Esses arranjos podem ser  mudados de um para outro conforme a necessidade ou manejo.

Como exemplos, temos:

  • Sistema agrossilviagrícola – cultivos de plantas anuais com árvores;
  • Sistema agrossilvipastoril – cultivos de plantas e criação de animais com presença de árvores;
  • Sistema silvipastoril – pastagens e animais consorciados com as árvores, promovendo bem-estar animal, enriquecimento do solo, melhoria do valor nutritivo do pasto e suplementação natural da alimentação animal;
  • Quintais agroflorestais – associação de espécies florestais, agrícolas, medicinais, ornamentais e animais (porco, galinha, cachorro, paca, capivara) ao redor da residência, que constituem alimento de autoconsumo e para comercialização. Essa variedade de espécies permite produção durante o ano inteiro.

Uma importante característica dos SAF é o fato de se basear em economia circular, um modelo de negócio que contrasta com o modelo linear predominante nos negócios agrícolas atuais.

Economia Circular: paradigma do futuro  

Economia circular é um conceito econômico que visa minimizar o desperdício e maximizar o aproveitamento de recursos, reduzindo o desperdício de recursos naturais e minimizando a poluição e a degradação do ambiente, por meio da manutenção de materiais, produtos e componentes em ciclos de uso contínuo. O  modelo econômico linear tradicional envolve uma sequência de atividades que visam extrair, produzir, usar e descartar. Já o conceito de economia circular propõe um ciclo fechado, onde os produtos, materiais e recursos são mantidos em uso pelo maior tempo possível e, quando não são mais necessários, são recuperados e reintegrados à economia de maneira sustentável.

Num modelo de economia circular, o sistema de produção reduz a quantidade de resíduos gerados, aliviando a pressão sobre aterros sanitários e diminuindo a poluição; é mais eficiente no uso de energia, pois reutiliza e recicla materiais, economizando recursos naturais. No Brasil, a economia circular está na raiz de diferentes tipos de negócio. Por exemplo:

  • Produção de embalagens, copos, canudos, pratos, potes, talheres e outros utensílios biodegradáveis, produzidos a partir de bambu, de papel, de papelão, de madeira e de bagaço de cana.
  • Reciclagem de cápsulas de café, por meio do reaproveitamento inúmeras vezes da embalagem de alumínio e da transformação do pó de café em adubo;
  • Reciclagem materiais de plástico e isopor: garrafas, copos, embalagens PET3 (refrigerantes, vinagre, óleo e outros), sacos/sacolas, tampas, frascos de produtos, caneta (sem a tinta), canos e tubos de PVC, embalagens de produtos de limpeza, embalagens tipo tupperware, brinquedos de plástico, baldes;
  • Reciclagem de vidros: embalagens, copos, vidros especiais, frascos de remédio vazio, potes de conserva, cacos, garrafas;
  • Reciclagem de papel: papel de fax, jornais e revistas, envelopes, listas telefônicas, rascunhos, papel sulfite/rascunho, cartazes velhos, papel de fax, folhas de caderno, fotocópias, embalagens longa vida tipo tetrapak, formulários de computador, caixa de pizza, caixas em geral (ondulado), cartolinas e papel cartão, aparas de papel;
  • Reciclagem de metal: tampinhas de garrafas, chapas, latas, ferragens, arames, talheres de metal, panelas sem cabo, papel alumínio, canos, pregos, aerossóis, cobre, embalagem de marmitex.

Em artigo no Correio Braziliense, Maurício Lopes, pesquisador da Embrapa Agroenergia, aponta que

 (a) agricultura tende a ganhar grande destaque na economia circular por ser naturalmente amigável a práticas regenerativas — como rotação de cultivos, plantio direto sem revolvimento do solo, controle natural de pragas e doenças e sistemas mistos ou integrados — com lavouras, pecuária e floresta geridas em sinergia, num mesmo espaço, ao longo de todo o ano. Biomassa oriunda da agricultura já pode ser transformada para reduzir dependência por recursos externos e poluentes. Dela são produzidos insumos e matérias-primas de base biológica, como bioenergia, biofertilizantes, biodefensivos, bioaditivos, compostos bioativos,  e outros.

SAFs praticados por populações tradicionais já fazem isso há séculos e até hoje ainda são questionados quanto à sua eficiência por aqueles que ainda se apoiam em sistemas de produção altamente dependentes de energia, fertilizantes, água  agrotóxicos, e produzem resíduos que não são reaproveitados.

Café 100% Orgânico produzido por pequenos agricultores no Sistema Agroflorestal

A Iniciativa Café Apuí Agroflorestal, mostra que é possível produzir café de qualidade, manter a floresta em pé com uma agricultura de baixo carbono e ainda potencializar a regeneração da floresta Tudo isso com um comércio justo, 100% acima do mercado de commodities, com pagamento por serviços ambientais e Certificação Orgânica.

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1.Antropoceno: do grego anthropos, que significa humano, e kainos, que significa novo, é uma época geológica em andamento, marcada pelo impacto da humanidade no ambiente da Terra.

2-  Propriedades rurais que possuíam ocupação humana anteriormente a 22 de julho de 2008, com edificações, benfeitorias ou atividades agrossilvipastoris.2-  Propriedades rurais que possuíam ocupação humana anteriormente a 22 de julho de 2008, com edificações, benfeitorias ou atividades agrossilvipastoris.

3- PET, sigla utilizada para polietileno tereftalato, é um tipo de resina termoplástica da família dos poliésteres, que é utilizado como fibra sintética, matéria-prima de embalagens e resina para engenharia, m combinação com a fibra de vidro. Apesar de causar impactos, assim como qualquer outro plástico, o PET é 100% reciclável, podendo ser transformado em outras garrafas, tecidos e outros materiais.

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