Recuperação de pastagens para mitigar impactos de mudanças climáticas

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Autora: Leonor Assad

Dada a importância da pecuária na economia agrícola brasileira –segundo maior produtor mundial de carne bovina e maior exportador global – é importante considerar a qualidade de nossas pastagens, visto que o rebanho bovino brasileiro é criado principalmente a pasto, o que lhe confere a classificação de boi verde (ou grass feed beef), considerada mais saudável.

Mas o mapeamento de pastagens no Brasil, divulgado pelo MapBiomas em outubro de 2021, aponta que em 2020 a área total de pastagens de1 54,7 milhões de hectares, mais da metade se encontrava em algum estágio de degradação, dos quais 14,3% severamente degradados. A degradação da pastagem é consequência de vários fatores (super pastejo, ausência de manejo ou manejo inadequado de tratos culturais como adubação, controle de invasoras, de pragas e de doenças e tipo de planta forrageira, principalmente). Depois de constatada a degradação, um dos grandes problemas que o produtor rural enfrenta são os custos da recuperação, que são tanto mais elevados quanto mais avançado é o grau de degradação. Constitui, portanto, um problema econômico-financeiro para o produtor rural.

Conforme dados do Observatório do Clima, nas últimas décadas a degradação das pastagens brasileiras tornou-se também um sério problema ambiental visto que está relacionada com os dois principais setores com maior participação nas emissões brasileiras de gases de efeito estufa (GEE): agropecuária e a mudança de uso da terra. Em 2021, o Brasil emitiu 2,4 bilhões de toneladas de GEE, representando um aumento de 12,2% em relação a 2020. Este aumento só foi superado pelo 2003, quando as emissões cresceram 20% e atingiram seu pico histórico. A aceleração é mais do que duas vezes superior à média mundial estimada para o mesmo ano.

Recuperação de pastagens degradadas: problema antigo com soluções conhecidas

Trabalhos científicos discutindo degradação de pastagens brasileiras e, particularmente, apontando a necessidade de recuperá-las, proliferam no Brasil, desde a década de 1960 pelo menos. E foram impulsionados pela expansão da pecuária no Centro-Oeste, na esteira da transferência da capital para Brasília, e de ações visando proteger a Amazônia dos efeitos de projetos agropecuários, da construção de grandes estradas e subsídios para investimento na região por meio da Sudam (Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia).

Os dados do Observatório do Clima (SEEG, 2023) apontam que atualmente a principal fonte de emissão de carbono pelo solo são as áreas de pastagem degradada, com uma emissão estimada de 160 milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente (CO₂e). O CO₂e é a métrica utilizada para calcular as emissões de vários gases de efeito estufa (GEE), os quais possuem potencial de aquecimento global diferentes. Por exemplo, o potencial de aquecimento global do gás metano (CH 4 ) é 21 vezes maior do que o potencial do gás carbônico ( CO₂).

Então, dizemos que o CO₂ equivalente do metano é igual a 28. Em pastagens degradadas, tem-se principalmente emissões de CO₂ porque, com o solo descoberto, ocorre rápida decomposição da matéria orgânica do solo que libera de CO₂ para a atmosfera. Portanto, recuperar pastagem aumenta a produtividade na pecuária e os ganhos do pecuarista, promove remoção de carbono, contribuindo para uma economia de baixo carbono, e aumenta a matéria orgânica no solo, melhorando a fertilidade e a qualidade da forrageira. A recuperação de pastagens constitui o programa número um do Plano Setorial de Mitigação e de Adaptação às Mudanças Climáticas para a Consolidação de uma Economia de Baixa Emissão de Carbono na Agricultura (Plano ABC). No Cerrado, por exemplo, de 2014 a 2018, o Plano ABC financiou a recuperação de mais de 93 mil hectares de áreas degradadas no bioma, capacitando e apoiando assistência técnica para adoção de tecnologias de baixa emissão de carbono 7,8 mil produtores rurais no Distrito Federal, na Bahia, em Goiás, no Mato Grosso do Sul, no Maranhão, em Minas Gerais, no Piauí e no Tocantins.

A degradação da pastagem é um processo que avança com o tempo quando as condições de manejo não mudam, proporcionando declínio na produtividade do pasto. Nas fases iniciais – degradação leve com algumas áreas de solo descoberto ou com plantas invasoras que fazem com que a capacidade suporte caia até um máximo de 50% – é possível fazer uma recuperação direta para recompor a produtividade do pasto. Em geral, nas áreas descobertas faz-se aplicação de herbicidas para controle de plantas invasoras, de fertilizantes para ajustar a fertilidade do solo. Também de um modo geral não é necessário suspender o uso da pastagem; mas quando isso acontece, isto se dá por um período de cerca de 30 dias.

Mas quando mais de 50% do pasto está descoberto, é necessário fazer preparo do solo, além do controle de plantas invasoras, de correção da fertilidade e de replantio de forrageira, o uso da área tem que ser interrompido por cerca de 90 dias. Conforme aponta o pesquisador da Embrapa Moacir Bernardino Dias-Filho, dependendo da situação, a renovação pode ter um custo, em média, até três vezes maior do que o da recuperação direta.

Um método de recuperação para cada situação

Para minimizar esses custos, a recuperação pode ser feita por meio de sistemas de produção que associam a pastagem com uma lavoura (ILP), ou com plantio de árvores (IPF) ou ainda com lavoura e plantio de árvores (ILPF). São os chamados sistemas integrados. Abordaremos inicialmente o ILP. Nesta modalidade, o mais comum no Brasil tem sido recuperar a pastagem introduzindo uma cultura de ciclo curto com valor comercial.

Desde a década de 70 do século XX, o sistema ILP vem sendo adotado, principalmente nos Estados do Sul do Brasil, como alternativa para manter a cobertura do solo no inverno e para obtenção de renda no período da entressafra. No Rio Grande do Sul, o ILP foi intensificado nas regiões do Planalto Médio e Missões, com a introdução de novas espécies. Atualmente, o ILP é usado na recuperação de pastagens degradadas por meio do plantio de culturas anuais, em sistema de rotação ou de consórcio com as forrageiras, proporcionando ao produtor diversos benefícios. E mais: tem sido adotado também em pastagens não degradadas pois gera renda diversificada para o produtor. Segundo Eduardo Assad, consultor sênior da Fauna Projetos, observa-se um crescimento na adoção de sistemas integrados no Brasil, que ocupam atualmente uma área estimada em mais 17 milhões de hectares, e desses cerca de 80% são de ILP, principalmente nos Estados de Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.

O ILP proporciona melhoria da fertilidade e da qualidade do solo, aumento do estoque de carbono, diminuição de emissões de gases de efeito estufa pela pecuária e controle de erosão. Isto porque as gramíneas comumente usadas em pastagens tropicais acumulam forragem, em quantidade que permite alimentar os animais, quando a carga animal á adequada, e produzir resíduos e raízes que contribuem para a melhoria da estrutura do solo e aumento da infiltração de água e de estoque de carbono do solo, principalmente quando comparados às condições em área de lavoura exclusiva.

Exemplos que dão certo

Além disso, o solo é mantido coberto durante todo ano, diminuindo a carga de sedimentos em cursos d’água, o que proporciona benefícios ambientais. Esses benefícios foram observados na recuperação de pastagens de uma Fazenda localizada em Santa Rita do Passa Quatro (SP), pelo consultor da Fauna Projetos, Giuliano Wassall. Quando começou a acompanhar a fazenda, Giuliano propôs aumentar o rebanho de gado de corte, para gerar renda, mas percebeu que a produção de forragem não supria as necessidades dos animais. Seria necessário aumentar a taxa de lotação para a conta fechar. Assim, intensificou o sistema de produção com ILP, no qual o milho, após aplicação de adubos e corretivo, foi semeado no início da estação chuvosa, e a forragem foi cultivada 36 dias depois, em dezembro. Em meados de março o milho foi colhido e o pasto foi liberado para entrada dos animais. Giuliano dividiu a área em glebas e adotou esse sistema, de forma rotacionada. Já no primeiro ano foi possível observar melhorias e em cinco anos os pastos estavam recuperados.

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