Agricultura brasileira pode contribuir para atrasarmos um colapso

Compartilhe

Alice Assad e Leonor Assad

Na terça-feira, 24 de janeiro, o Relógio do Juízo Final, também conhecido como Relógio do Apocalipse (Downsday Clock, no original), foi ajustado para 90 minutos antes da meia-noite. O Relógio do Apocalipse é um projeto que adverte o público sobre o quanto estamos próximos de destruir nosso mundo com tecnologias perigosas de nossa própria fabricação. É mantido pelo comitê da organização do Bulletin of the Atomic Scientists (Boletim dos Cientistas Atómicos) da Universidade de Chicago. O Relógio é uma metáfora, um lembrete dos perigos que devemos enfrentar se quisermos sobreviver no planeta. Ele foi criado em 1947 por um grupo de cientistas que tinham trabalhado na concepção da bomba atômica e que estavam preocupados com a corrida armamentista, conduzida principalmente pelos Estados Unidos e pela então União Soviética. Pretendia incialmente medir ameaças nucleares. Na época foi ajustado para sete minutos antes da meia noite e depois disso passou por 25 reajustes. Ao longo de seus 76 anos, esteve mais distante de meia noite em 1991, quando os Estados Unidos e a União Soviética assinaram o Tratado de Redução de Armamentos Estratégicos; na época marcou 23:43h, tendo sido atrasado em sete minutos com relação a 1991, quando aconteceu a queda do Muro de Berlim. Três grandes motivos levaram ao ajuste atual, que é o mais próximo de meia noite em toda sua história: a invasão da Ucrânia pela Rússia, o consequente risco de uma escalada nuclear e os impactos das mudanças climáticas, assumido como risco em 2007.

E por que é fundamental estarmos atentos às ações que podem inviabilizar a nossa sobrevivência na Terra?

Porque vários estudos apontam que o mundo passa atualmente por um momento sem precedentes, de múltiplas crises. O Relatório da Oxfam1 divulgado no Fórum Econômico Mundial em Davos, que se realizou de 16 a 20 de janeiro de 2023 na Suíça, aponta que dezenas de milhões de pessoas a mais estão enfrentando a fome; outras centenas de milhões enfrentam aumentos inviáveis no custo de produtos básicos ou no aquecimento de suas casas; o colapso climático está incapacitando a economia das nações; e secas, ciclones e inundações estão obrigando as pessoas a abandonarem seus lares.

No Brasil, dados do II Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia de Covid-192 apontam que, em 2022, 33 milhões de pessoas se encontravam em situação de fome e que mais da metade (58,7%) da população brasileira se encontrava em algum grau (leve, moderado ou grave) de insegurança alimentar. E mais, atualmente mais de 30,4 mil habitantes que vivem no território indígena Yanomami em Roraima, a maior reserva indígena do país, se encontram em situação dramática, enfrentando fome e doenças provocadas por garimpo ilegal em suas terras. Em 24 de janeiro, 240 municípios dos 853 municípios de Minas Gerais encontravam-se em situação de emergência devido às fortes chuvas que já haviam causado 21 mortes. No Rio Grande do Sul, em 26 de janeiro, 34% dos 497 municípios estavam em situação de emergência por causa da estiagem. Em 27 de janeiro o Diário Oficial da União publicou portarias com liberações de mais de R$2,3 milhões para ações de defesa civil em sete cidades brasileiras afetadas por desastres naturais, como chuvas intensas, enxurradas e queda de granizo.

Superar os impactos das mudanças do clima, as desigualdades sociais, a insegurança alimentar e nutricional exige mudanças e muitas delas passam por nossos hábitos de consumo, e em particular o padrão de consumo de alimentos.

Artigo publicado em 2022 avaliou 194 alimentos regionais, divididos segundo cada uma das cinco regiões do país (Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul), e agrupados em frutas; verduras e legumes (que inclui ervas, condimentos e temperos); leguminosas; tubérculos, raízes e cereais; e em farinhas (referentes aos grupos de preparações/farinhas derivadas da mandioca). O estudo aponta que no período 2002-2018 houve  aumento  na  participação calórica de frutas e farinhas regionais e queda significativa de leguminosas regionais; e observou-se  queda  no  total  dos  grupos  de  alimentos regionais entre 2002-2003 e 2008-2009 e estagnação entre 2008-2009 e 2017-2018. Segundo os autores, um dos principais causadores dessas mudanças é o atual modelo agrícola brasileiro baseado na monocultura, focado na grande demanda por commodities como soja, milho, trigo e açúcar, ou direcionados para a produção de ultraprocessados.

Mudanças climáticas, diminuição da biodiversidade e a crescente integração do agronegócio brasileiro aos mercados globais são fatores que contribuem para a insegurança alimentar no Brasil. E a atividade agrícola está relacionada com todos eles. Portanto, investir em sistemas de produção diversificados, utilizar terras de acordo com a sua aptidão, adotar sistemas integrados, utilizar corretamente insumos e defensivos agrícolas são algumas das ações que podem e devem ser adotados na agricultura brasileira para que possamos atrasar o Relógio do Apocalipse. Afinal, ainda que seja uma metáfora, a iniciativa tem estimulado discussões sobre os riscos do planeta frente às ações humanas que causam impactos no ambiente e uma dessas ações é a forma como produzimos nossos alimentos.

Assine nossa newsletter

Copyright © 2021 | FAUNA PROJETOS COM PROPÓSITO.
desenvolvido por: studio dipe
pt_BR

Assine nossa

Newsletter

Receba em seu e-mail quando publicarmos novos conteúdos

×