Recuperação de pastagens trazem benefícios econômicos e socioambientais

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Leonor Assad e Eduardo Assad

Produzir alimentos é uma das funções da agricultura, da pecuária e de atividades de extrativismo vegetal e animal. No Brasil, os alimentos que consumimos são contabilizados no PIB da agricultura1, que representou 2% do PIB brasileiro, e no PIB do agronegócio1, que representou 24,31% do PIB do Brasil. Mas, o Segundo Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia de Covid-19 no Brasil, publicado em 2022, apontou que 33,1 milhões de pessoas não têm garantido o que comer — o que representa 14 milhões de novos brasileiros em situação de fome (Agência Senado, 2022)2.

Como bem salienta o professor Gerd Sparovek no prefácio do estudo “Produção de alimentos no Brasil: geografia, cronologia e evolução”, de Ana Chamma e colaboradores (2021):

“Passados 75 anos da publicação de Geografia da Fome3, o Brasil certamente mudou… (mas  apesar de) ter se tornado uma grande potência  agrícola global, os problemas da fome e da subnutrição não foram resolvidos e acabaram se somando a outros também ligados à nutrição, como obesidade, diabetes, condições cardiovasculares e outras manifestações de doenças crônicas não transmissíveis.”

E, ainda que muitos sejam os céticos, equacionar o dilema geração de emprego x disponibilidade e qualidade de alimentos passa pelo fortalecimento da agricultura, particularmente num país de dimensões continentais como o Brasil. E são muitas as alternativas. Aqui elencaremos a primeira: a recuperação de áreas degradadas, que conta com um arcabouço de leis e de instrumentos financeiros desde os anos 1980.   

Afinal, o que é área degradada?

Considera-se que uma área está degradada quando, o desmatamento e ou profundas alterações no solo, causam distúrbios tão intensos que impedem a regeneração natural, isto é, sem ação humana. Estudo feito pela Embrapa Pecuária Sudeste aponta que recuperar uma pastagem é cerca de 30% mais barato do que estabelecê-la novamente; e ambos os custos podem ser altos atualmente, dependendo do tamanho da área e da região onde se encontra. Na recuperação de uma pastagem  faz-se em geral  calagem e adubação para, a partir da população de plantas existentes, promover a rebrota de plantas existentes. Mas em muitos casos a densidade populacional da forrageira está tão ruim que não existe número suficiente de plantas para restabelecer a pastagem. Em geral, considera-se que, se a pastagem possui áreas com mais de 2 m2 sem a forrageira principal, é necessário uma nova implantação da pastagem.

Dados do Lapig/UFG, com base em análise de imagens de satélite Landsat de 1985 a 2020, apontam que as pastagens no Brasil em 2020 cobriam 18,72% do território brasileiro, ou seja, 158.966.950,223 ha. Desse total, 22% encontravam-se em estágio severo de degradação e 41,4% encontravam-se em estágio intermediário de degradação. Ou seja, com adoção de práticas de calagem e adubação de pastagem, carga animal adequada e garantindo o período de descanso necessário para a recuperação, podem ser recuperados mais de 65,8 milhões de hectares de pastagens que se encontram em estágio intermediário de degradação. Com a recuperação desses pastos e considerando uma carga animal de 1,27 animal por hectares seria possível ampliar o rebanho bovino em 83,5 milhões de cabeças, sem abertura de novas áreas, o chamado efeito poupa-terra.

Considerando a redução de gases de efeito estufa, trabalhos como o desenvolvido por Eduardo Assad no Observatório de Bioeconomia da FGV mostram que é possível valer-se desse potencial e adicionalmente reduzir as emissões de GEE. Os autores desenvolveram um modelo de projeção e mitigação para diferentes ações de descarbonização da pecuária, no qual consideraram um cenário de redução gradual de pastagens degradadas no Brasil, até o ano de 2030. Utilizando esse modelo, evidenciaram que poderiam ser recuperados 27,5 Mha de pastos degradados, oferecendo ganhos de produtividade ao rebanho bovino, que atingiria uma taxa de lotação de 1,27 cabeça por hectare. Além disso, haveria a remoção líquida total de carbono de 1.223,6 Mt CO2eq, em média 94,1 Mt CO2eq/ano, invertendo, dessa forma, as emissões do sistema de pecuária associadas às pastagens.

Impactos da recuperação de pastagens

Estudo de pesquisadores da Esalq/USP, com a coordenação do Prof. Joaquim Bento de Souza Ferreira Filho, avaliou os ganhos da recuperação de 19,4 milhões de hectares de pastagens degradadas entre 2010 e 2018.  O estudo apresentou dois cenários: o primeiro levou em consideração 19,4 milhões de hectares toda a área de pastagens degradadas recuperada no país entre 2010 e 2018. E o segundo apontou que somente os 4,1 milhões de hectares recuperados por meio da linha de crédito do Programa ABC específica para recuperação de pastagens, que financiou R$ 8,1 bilhões entre 2013 e 2020. Assumindo as variáveis macroeconômicas a partir de 2015, a elevação observada, acumulada em 2021, de 0,31% do PIB no cenário 1 e de 0,07% no cenário 2, representa, computados sobre o valor de 2015. Isto representou um ganho social de R$ 16,9 bilhões no cenário 1 e de R$ 4,2 bilhões no cenário 2.

E mais: o aumento de produtividade proporcionado pela recuperação das pastagens degradadas contribuiu para um incremento adicional significativo na produção pecuária nos locais pesquisados. No cenário 1,  a variação no Rio Grande do Sul e Santa Catarina foi de 25,8% na produção de carne e a 13,8% na cadeia leiteira. Aumentos importantes também foram observados em Rondônia, Paraná e Mato Grosso do Sul. No cenário 2, foi observado aumento de 5,2% na produção da pecuária de corte em Goiás e de 1,71% na de leite no Paraná. Destaca-se que leite e carne são alimentos importantes na dieta de grande parte dos brasileiros e aumento de oferta contribui para a diminuição de preços.

Cabe destacar que os ganhos na recuperação de pastagens degradadas vão além do  aumento na renda do produtor rural em função do incremento na produtividade das pecuárias de corte e de leite. São observados também aumento no consumo das famílias, aumento de empregos e de salários, aumento de impostos e benefícios ambientais. Afinal, pastagens recuperadas e bem manejadas são eficientes no controle de erosão por ação de água e de ventos solo, permitem a infiltração de água no solo o que constitui processo importante na manutenção de recursos hídricos e garantem a atividade de organismos do solo. E mais, pastagens em bom estado de conservação emitem menos  gases de efeito estufa do que pastagens degradadas, contribuindo para a qualidade de vida no planeta.

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1- O PIB da agricultura mede o que é chamado de “produção dentro da porteira” e  é calculado pelo IBGE. Por outro lado, o PIB do agronegócio engloba a produção da agricultura e as atividades econômicas de outros setores de atividade (indústria e serviços), envolvendo a produção de insumos para a agropecuária, a própria agropecuária, as agroindústrias de processamento dessas matérias-primas e a distribuição e demais serviços necessários para que os produtos agropecuários e agroindustriais cheguem ao consumidor final. No país, esse cálculo é feito pelo CEPEA/ESALQ-USP com apoio da CNA.

2- Agência Senado, 2022. Retorno do Brasil ao Mapa da Fome da ONU preocupa senadores e estudiosos, de Aline Guedes. Publicado em 14/10/2022.

3- Geografia da Fome, de Josué de Castro. O dilema brasileiro: pão ou aço. 9. ed. São Paulo: Brasiliense, 1965.

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