Mudanças Climáticas: o futuro que se transforma em presente

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Todos estão sendo afetados pelo clima.

O relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) Ensuring safety and health at work in a changing climate (p. 18) aponta que no mundo todos os anos pelo menos 2,41 mil milhões de trabalhadores estão expostos ao calor excessivo (ou seja, mais de 70% de todos os trabalhadores). Se compararmos essas estimativas com as que foram feitas em 2020, houve um aumento de 34,7% no número de trabalhadores expostos ao calor excessivo. Uma taxa expressiva, pois, houve também aumento no número de trabalhadores.

E as previsões no Brasil para o mês de maio não são animadoras. A Climatempo prevê  que o calor intenso persistirá em algumas regiões do país até, pelo menos, 10 de maio, e constitui a quarta onda de calor no Brasil desde o início de 2024, que segue um padrão atípico de calor extremo desde 2023.

Até o início desta terça-feira, 7 de maio, o Rio Grande do Sul já registrou, 90 mortes (com mais quatro sendo investigados) e 131 desaparecidos em razão dos temporais. O número de feridos já chega a 362. Mais de 204 mil pessoas estão desalojadas e encontram-se em abrigos (48,2 mil), ou na casa de familiares ou amigos. Dos 497 municípios gaúchos, 397 registraram algum tipo de problema que está afetando 1,4 milhão de pessoas. Estradas e ruas alagadas, pontes e barragens rompidas, deslizamentos de terra, estação rodoviária de Porto Alegre completamente alagada, com 95% das viagens canceladas. Segundo comunicado da Associação Brasileira de Empresas Aéreas (Abear), o Aeroporto Internacional Salgado Filho, em Porto Alegre, permanecerá fechado por tempo indeterminado sem previsão de retomada de suas atividades.

Aeroporto Internacional Salgado Filho, em Porto Alegre, invadido por água de chuva.
Fonte: Fraport/Divulgação.

Apesar do sol ter voltado a predominar no último domingo em Porto Alegre, o nível do Guaíba1 que chegou a atingir o recorde histórico de 5,33 metros, estava em 5,27 m às 5h15 de da manhã de hoje, sendo que a partir de 3m já provoca inundação. Hoje é o quarto dia consecutivo que o Guaíba se mantém com cota acima de 5m. E conforme aponta a Defesa Civil do Estado, existe possibilidade de novos alagamentos, vento forte, descargas elétricas e queda de granizo na região sul do estado, podendo atingir as cidades de Bagé, Pelotas, Rio Grande e Santana do Livramento.

Trecho bloqueado da BR-290 em Eldorado do Sul. Foto: Reprdução/RBS TV

Mas, em 9 de abril deste ano, o governador Eduardo Leite sancionou a lei que havia sido aprovada pela Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul em 12 de março, e que  flexibiliza regras ambientais em áreas de preservação permanente (APPs). Agora, por essa lei, as APP são áreas de utilidade pública ou de interesse social. Com isso, obras como construção de barragens para a reserva de água para irrigação de lavouras podem ser feitas dentro de APPs.

Em 27 de abril, municípios do Vale do Rio Pardo registraram os primeiros impactos provocados por chuva e granizo. E mais, o bioma Pampa que ocupa 63% da área do Rio Grande do Sul, é o que tem menor representatividade no Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), com apenas 0,4% da área continental brasileira protegida por unidades de conservação. O crescimento de atividades agrícolas, de mineração, além da ocupação de espécies exóticas e de caça ilegal, dentre outros fatores, contribuem para a degradação  do Pampa, que no Brasil só ocorre no Rio Grande do Sul. Dados do MapBiomas apontam que 2,9 milhões de hectares de sua vegetação campestre foram destruídos entre 1985 e 2022, para dar lugar a áreas de agricultura e silvicultura. Essa redução equivale a 32% da área que existia no Brasil em 1985, quando se estendia por 9 milhões de hectares (Silveira, 2024).

O Novo Normal

Desastres já fazem parte da realidade do Rio Grande do Sul, e do mundo, e seu controle exige uma combinação de ciência e administração pública.

A novidade na equação anual do clima riograndense é o excesso de vapor vindo da região sudoeste (rios voadores) e o oceano mais quente. Parte deste comportamento tem autoria do El Niño, mas a parte mais substantiva vem do Atlântico mais quente, que é um efeito do aquecimento global. A frequência destas chuvas excepcionais demonstram que efeitos extremos são um novo normal. Estas anomalias, no entanto, podem ocorrer não somente sob a forma de chuvas, vendavais e ciclones, mas igualmente na forma de secas.

Nota divulgada em 3 de maio pela Academia Brasileira de Ciências

Estamos diante de uma nova realidade climática

Há anos cientistas, urbanistas e organizações públicas e privadas apontam que as ações devem focar em métodos e tecnologias que, ao mesmo tempo, promovam a redução das mudanças do clima e se adaptem aos impactos que já existem. Isabella Suarez, do World Resources Institute, apontou em junho de 2020, cinco soluções que podem ao mesmo tempo limitar as mudanças climáticas e nos ajudar a lidar com seus impactos:
– proteger áreas úmidas costeiras;
– promover os benefícios da agrofloresta sustentável;
– descentralizar a distribuição de energia;
– assegurar os direitos dos povos indígenas; e
– melhorar os sistemas de transporte coletivo.

Nas áreas agrícolas, é necessário aumentar a diversidade de culturas, tanto em termos de altura de plantas quanto de profundidade de raízes, isso porque quanto maior a profundidade de raízes, melhor é a absorção de água no solo. Nas áreas urbanas, é necessário minimizar ou impedir a ocupação de áreas de risco. E precisamos incorporar a análise de risco climático como procedimento preliminar na definição de políticas públicas para as cidades e as áreas rurais.

Desde 1996, o Brasil conta com o Zoneamento Agrícola de Risco Climático (ZARC), um instrumento de política agrícola e gestão de riscos na agricultura, elaborado com o objetivo de minimizar os riscos relacionados aos fenômenos climáticos adversos. Permite que cada município identifique a melhor época de plantio das culturas, nos diferentes tipos de solo e ciclos de cultivares. A técnica é de fácil entendimento e adoção pelos produtores rurais, agentes financeiros e demais usuários.

Dados do Global Risks Report 2024, publicado pelo Fórum Econômico Mundial, indicam que este ano os riscos ambientais podem atingir o ponto de não retorno. Apresentando dados levantados numa Pesquisa Global de Percepção de Riscos (GRPS, na sigla em inglês), o relatório aponta que 66% dos entrevistados classificam as condições meteorológicas extremas como o risco com maior probabilidade de apresentar uma crise material em escala global em 2024. Não é sem motivo que Marina Silva, Ministra do Meio Ambiente, propõe a criação de um estado de “emergência climática permanente”, para que municípios de risco do país possam atuar de forma mais ativa na prevenção de tragédias.

A Fauna Projetos tem trabalhado em várias frentes buscando mostrar os possíveis impactos das mudanças no clima.  Em outubro de 2022, Eduardo Assad, diretor executivo da Fauna Projetos, liderou uma revisão de 51 trabalhos científicos da Embrapa mostrando a importância da incorporação de árvores em sistemas de produção agrícola. Este estudo se soma a outro trabalho, apoiado pelo WRI Brasil, e publicado em 2019, apontando o papel crucial do Plano ABC e do Planaveg na adaptação climática da agricultura brasileira. Em fevereiro de 2023, a Fauna Projetos publicou um texto, assinado por toda equipe, no qual afirmávamos que o letramento climático é urgente e que “é preciso sair desse estado de letargia em que se normaliza a morte de pessoas, sobretudo pobres, vítimas da ignorância de todos sobre os desafios contemporâneos”.

Este ano a tragédia se repete e estamos apenas em maio.

Este foi o 4º cenário de excesso de chuva no Rio Grande do Sul desde o ano passado. Em Santa Catarina, entre os dias 1º e 5 de maio o volume de chuvas  variou de 100 a 200 mm, com chuvas pontuais próximas de 250 mm, atingindo 33 municípios, e deixando mais de 190 pessoas desabrigadas .

É preciso levar a sério orientações de cientistas, pensar num plano de mitigação e adaptação. Mas, assim como na pandemia as pessoas achavam que Wuhan estava muito longe e que não chegaria aqui, muitos brasileiros ainda acham que os efeitos das mudanças climáticas só vão chegar para os outros.

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1- O Guaíba, muitas vezes chamado de rio, é a rigor um lago, pois toda sua superfície está no mesmo nível e, portanto, a água não escoa por gravidade. Quando enche, transborda. Já um rio, é uma calha que apresenta desnível, que permite escoamento por gravidade.

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