Alta do preço do cacau: prejuízo para uns e lucro para outros

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O cacau é a base para a produção de chocolate, um alimento de grande importância mundial. Atualmente os maiores produtores de cacau são Costa do Marfim, Gana, Indonésia e Nigéria¹. Mas os maiores produtores e exportadores de chocolate estão na Europa (Alemanha, Bélgica, Itália e Polônia) e respondem por mais de 40% das exportações globais do produto.

A Barry Callebaut, com sede em Zurique, na Suíça, é líder mundial na fabricação de produtos de alta qualidade à base de chocolate, com uma história de quase 200 anos. E está preocupada: a produção de cacau deve ficar este ano aquém das 500 mil toneladas consumidas mundialmente e prevê um déficit de 150 mil toneladas na próxima temporada, que começará em outubro de 2024.

As causas desse déficit são chuvas, intensificadas por mudanças climáticas, e doenças que estão afetando cacaueiros envelhecidos na Costa do Marfim e em Gana, responsáveis por 60% da produção mundial de cacau. Como consequência, o preço do cacau registrou um aumento de 191% em 18 de abril deste ano. Dados do CBOT (Chicago Board of Trade) apontam que a amêndoa de cacau começou o ano sendo vendida a 4.200 dólares a tonelada, chegou a 12,3 mil dólares em abril e a 8,6 mil dólares em maio, ou seja, mais do que o dobro do preço cobrado em janeiro deste ano.

Mercado e consumidores também estão preocupados. Afinal, o cacau é o fruto cujas sementes, depois de torradas e trituradas, dão origem à manteiga de cacau e ao licor de cacau, um líquido espesso, amargo e de cor marrom. Da mistura desses dois com produtos, como leite e açúcar em quantidades variáveis, tem-se o chocolate, um alimento que traz muitos benefícios à saúde humana. Por ser rico em flavonoides, cafeína, teobromina e ácidos graxos saudáveis, possui propriedades antioxidantes, estimulantes e cardioprotetoras. Pode diminuir a pressão arterial, aumentar a saciedade, fornecer energia, melhorar a memória e promover o bem-estar e o estado de ânimo. Ou seja, não foi por acaso que o botânico sueco Carl Nilsson Linnæus (geralmente conhecido como Lineu) cunhou o cacau com o nome científico Theobroma cacao, que significa alimento dos deuses.

Em 2024, o cacau tem sido a commodity agrícola que mais se valoriza. E a crise atual pode beneficiar o Brasil e torná-lo  novamente um importante produtor e exportador.  Segundo Cybelle Pimentel, pesquisadora do Instituto Biológico de São Paulo, “o Brasil, durante muitos anos e parte do século XX, foi o maior produtor e exportador mundial de cacau, mas atualmente ocupa a 7ª posição”.

Por que os preços do cacau dispararam?

Em commodities como o cacau, os preços são controlados em grande parte pela oferta. Este ano os preços dispararam porque cultivos na África Ocidental estão sendo prejudicados pelo impacto da doença da vagem preta, principalmente na Costa do Marfim e em Gana, e por mudanças climáticas, como aumento de chuvas ou excesso de calor, forçando-os a prorrogarem os contratos de fornecimento. Com isto este ano houve uma queda recorde na oferta do produto no mercado internacional e o preço disparou.

Vagens de cacau infectadas com a doença da vagem negra em Gana. Crédito: International Institute of Tropical Agriculture.

Segundo José Carlos de Lima Júnior, professor na pós-graduação da Harven Agribusiness School, os efeitos das mudanças climáticas e da doença da vagem preta reduziu 20% da colheita na Costa do Marfim e 11% da de Gana. Essa doença é causada por Phytophthora palmivora, um microrganismo unicelular em culturas agrícolas importantes como cacau, coco, borracha, pimenta-do-reino e frutas cítricas. Ainda assim, segundo a Mordor Intelligence, o mercado mundial de grãos de cacau está em expansão e, para este ano, estima-se movimentar 17,24 bilhões de dólares.

Cacau no Brasil

Neste cenário, o cacau brasileiro pode ser beneficiado porque, junto com Bolívia, Colômbia, Costa Rica, Equador, Peru e México, integra m grupo de países que investem na produção e comercialização de variedades premium de cacau, que possuem preços mais elevados no mercado internacional do que o cacau produzido na África.

De acordo com a AGRO Sustentar, a cadeia produtiva do cacau no Brasil é uma das mais icônicas e importantes, sobretudo nas regiões Norte e Nordeste. Produtores de cacau do Brasil, que deixou de ser o principal exportador de cacau do mundo após a crise causada pelo fungo da vassoura-de-bruxa (Moniliophthora perniciosa), passaram a buscar alternativas. Assim, além da produção de cacau premium para fabricação de chocolates de alta qualidade, tem aliado produção cacaueira com turismo experiencial. Este oferece vivências que permitem ao turista conhecer fazendas de cacau e a produção de chocolate.

A produção de cacau no Brasil também tem sido também o vetor para recuperar áreas desmatadas e degradadas na Amazônia. Um exemplo é o Projeto Cacau Floresta que envolve mais de 600 famílias dos municípios de São Félix do Xingu, Tucumã, Altamira, Vitória do Xingu, Brasil Novo, Medicilândia, Anapu e Pacajá, todos muito afetados pelo desmatamento da floresta. Apoiado pela TNC (The Nature Conservancy), o projeto Cacau Floresta restaurou, no período de 2014 a 2023, mais de 1.000 hectares  com técnicas de restauração ecológica (enriquecimento com sementes e mudas, condução da regeneração natural das florestas e muvuca (plantio de diversas sementes), implementou  mais de 2.000 hectares de sistemas agroflorestais (SAF) com cacau.

Cacaueiros no Estado do Pará. Fonte: https://www.tnc.org.br/o-que-fazemos/nossas-iniciativas/cacau-floresta/10-anos-cacau-floresta/

Nem tudo são flores

Mas na cadeia do cacau, tanto na Costa do Marfim e em Gana como no Brasil, o aumento dos preços nem sempre chega aos produtores. Muitas vezes, a maior parte fica com intermediários. Muitos produtores de cacau sofrem com a precariedade nas condições de trabalho e remuneração. E mais, há décadas existem denúncias de trabalho em fazendas de algumas regiões da África, que produzem cacau para as grandes multinacionais do chocolate. Em 2010, o filme The Dark Side of Chocolate já apontava como funciona a cadeia de produção do chocolate.

Os agricultores e trabalhadores da lavoura de cacau ganham, em média, menos de US$ 1 por dia. Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/geral-62067426

No Brasil, entre julho de 2017 e junho de 2018, pesquisadores da Papel Social, uma organização brasileira especializada em investigar cadeias produtivas, visitaram os principais polos produtores de cacau às margens da Rodovia Transamazônica, no Pará, e na região conhecida como Costa do Cacau, na Bahia. O resultado dessa pesquisa deu origem ao documentário Rota do Cacau, produzido pela organização Papel Social, em parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e com o Ministério Público do Trabalho (MPT), e dirigido por Marques Casara e Poliana Dallabrida.  

Segundo a Inkota, grupo alemão que promove campanhas específicas no panorama político da Alemanha e sensibiliza o público para o lado escuro da globalização e para a defesa e proteção dos direitos humanos, para que ocorram melhorias no Sul Global, são necessárias mudanças estruturais no Norte. Segundo eles, o preço de uma barra de 100g de chocolate aumentaria em menos de US$ 0,20 se os produtores de cacau recebessem salários dignos por sua produção.

Algumas iniciativas tentam reverter esse quadro. A fazenda comunitária Dois Riachões reúne 39 famílias instaladas a 80 km do litoral da Bahia. A fazenda produz cacau orgânico, verduras e frutas. Cada família é responsável por cultivar quatro hectares de árvores de cacau e participa da manutenção da horta comunitária. O cacau orgânico produzido por eles faz parte das 1.900 toneladas produzidas em 2018 no Brasil, menos de 1%  do total.

O Sebrae Nacional já mapeou 300 pequenos e médios produtores de cacau nos estados de Rondônia, Bahia, Pará e Espírito Santo, e aponta que se observa uma tendência de negócios em expansão também no Distrito Federal e Goiás.

Recentemente, a marca de chocolates brasileira Dengo anunciou um investimento de R$ 100 milhões para a ampliação de sua unidade fabril localizada em Itapecerica da Serra, na Região Metropolitana de São Paulo. Focada na produção de chocolates sem aditivos, num conceito conhecido como bean to bar, a empresa adquire cacau de pequenos e médios produtores de cacau cabruca, cultivado no meio da Mata Atlântica do Sul da Bahia.

A Dengo tem por objetivo apoiar uma rede de pequenos e médios produtores de cacau de alta qualidade  que acreditam na partilha de valor e na preservação da natureza, e praticam uma agricultura consciente.

Mas os pequenos fabricantes de chocolate artesanal também estão amargando uma alta considerável no preço do cacau fino, cultivado em diversas regiões do Brasil e utilizado por eles em seus produtos. O cacau fino sempre custou mais caro, porque demanda mais investimentos no cultivo e beneficiamento, mas não é tabelado, como o  cacau commodity. Acompanhar ou não a disparada dos preços internacionais é uma postura individual de cada fornecedor.

Em matéria publicada na Folha de São Paulo, o presidente da Cooperativa Cabruca, que reúne 21 pequenos cacauicultores no sul da Bahia, Marc Nuscheler afirma: “Durante décadas, o preço do cacau mal pagava os custos de produção. Agora, que temos a chance de receber um valor razoável, não podem nos pedir para ser solidários com os chocolateiros. Precisamos cobrar mais [do que o chocolate commodity]. Alguns clientes compreendem, outros não.”

Como os chocolateiros concorrem também com os compradores estrangeiros, que têm valorizado bastante as amêndoas do Brasil e pagam em dólar, teme-se uma debandada de produtores de cacau fino para o mercado tradicional, que está pagando bem, requer menos investimento e dá menos trabalho.

É esperar para ver.

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