Por Leonor Assad
Depois de um mês de agosto marcado por um aumento de 144% dos focos de queimada no Brasil, Nota do INMET (Instituto Nacional de Meteorologia), publicada em 08 de outubro último, aponta que seca e calor intenso marcaram o mês de setembro deste ano.
O que antes era visto como assunto de representantes dos países da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC), hoje domina muitas conversas e discussões de especialistas de diversas áreas, bem como de leigos, inclusive negacionistas de extrema-direita que consideram o assunto uma conspiração da esquerda. E a responsabilidade pelo enfrentamento das mudanças do clima passou a ser de todos: especialistas, governos, consumidores e população de modo geral.
Todos somos responsáveis
Desde a Eco-92 (Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento), realizada no Rio de Janeiro, países membros da ONU se esforçam para organizar e desenvolver o financiamento climático. O estudo Financiamento Climático: realidade e desafios aponta que o objetivo do financiamento climático é “fornecer recursos financeiros e técnicos para projetos e programas que promovam a redução de emissões de gases de efeito estufa, a proteção contra os impactos das mudanças climáticas e a promoção de uma transição energética justa e sustentável”. Publicado pelo Observatório de Bioeconomia da FGV em 2023, o estudo já apontava que na COP 27, realizada no Egito em 2022, novas promessas de financiamento foram feitas considerando as economias em desenvolvimento e países desenvolvidos de forma homogênea. O prejuízo global pode se estender e se intensificar. Afinal, economias mais frágeis serão as mais afetadas, mas as mudanças climáticas afetarão a todos de forma negativa.
O problema persiste até os dias de hoje, visto que os países desenvolvidos só colocaram no sistema do clima US$100 bilhões em 2022, quando o acordado era US$100 bilhões por ano, no período de 2020 a 2025. Existem expectativas de que na COP 29 nova meta de financiamento para a ação climática nos países em desenvolvimento venha a ser um dos principais itens da agenda. Aliás, esta COP já á sendo chamada de COP das Finanças. Será realizada em novembro deste ano em Baku, no Azerbaijão, país que tem um terço de sua economia ligada aos combustíveis fósseis. A ver…
As mudanças no clima estão em curso e é necessário mudar o modo como nós – seres humanos dotados de inteligência, consciência e capacidade para analisar seus atos, executar suas tarefas, planejar suas atividades e colocá-las em prática – dependemos do ambiente na Terra. Ainda que existam projetos de colonização de outros planetas e incertezas científicas quanto aos efeitos do aumento de temperatura na Terra, até o momento não existe nenhuma evidência de que colonizar outros planetas seja possível. Portanto, é fundamental mudar a forma como estamos lidando com o ambiente terrestre para garantir sua sustentabilidade. É necessário diminuir as emissões antrópicas de gases de efeito estufa (GEE), que provocam aumento de temperatura na Terra.
No Brasil, várias ações têm sido desenvolvidas e estimuladas: na agricultura, por meio da adoção de sistemas de plantio direto na palha, aumento das áreas com sistemas de produção integrados e de sistemas agroflorestais; na pecuária, por meio da recuperação de pastagens degradadas e do tratamento de dejetos animais; no transporte, pelo uso de combustíveis, como álcool e gás natural; na indústria, no comércio e nas residências, por meio da utilização de energias renováveis e mais eficientes, como a solar, eólica e hídrica, e pelo uso de uma cadeia sustentável de suprimentos.
Na escala mundial, o principal mecanismo tem sido o mercado de crédito de carbono que se apoia na transferência do custo social das emissões para os agentes emissores (pessoas físicas e jurídicas, e países), baseando-se no fato que a Terra só possui uma atmosfera; portanto, não importa onde se reduza a emissão de GEE, e sim que ela realmente aconteça. Um crédito de carbono representa uma tonelada de CO2 (dióxido de carbono), que deixou de ser emitida para a atmosfera, contribuindo, dessa forma, para a diminuição do aquecimento global e das mudanças climáticas. Os créditos de carbono possuem algumas vantagens, destacando-se o estímulo ao investimento em projetos sustentáveis e a flexibilidade para cumprimento de metas. Mas também têm suas desvantagens, destacando-se a transferência de responsabilidades, sua vulnerabilidade a fraudes e manipulações e sua complexidade e custos administrativos.
Pagamento por serviços ambientais (PSA)
Ainda que muitos autores considerem PSA sinônimo de pagamento de serviços ecossistêmicos, (PSE), o PSA é um mecanismo financeiro para remunerar prioritariamente produtores rurais, agricultores familiares e assentados, assim como comunidades tradicionais e povos indígenas, pelos serviços ambientais prestados e que geram benefícios para toda a sociedade. Ou seja, PSA e PSE possuem fluxos opostos: o fluxo dos serviços ecossistêmicos ocorre do ambiente natural para a sociedade, enquanto o fluxo dos serviços ambientais ocorre da sociedade para o ambiente.
O PSA envolve as ações humanas individuais ou coletivas que favorecem direta ou indiretamente a preservação, a proteção, a conservação, a manutenção, a recuperação e a melhoria dos serviços ecossistêmicos, que são os benefícios obtidos da natureza, direta ou indiretamente. E pode ser feito de diversas formas: direta (monetário ou não); prestação de melhorias sociais a comunidades rurais e urbanas; compensação vinculada a certificado de redução de emissões por desmatamento e degradação; comodato; títulos verdes (green bonds) e Cota de Reserva Ambiental, instituída pelo Código Florestal (Lei 12.651/12).
Comparado ao mercado de crédito de carbono, o PSA tem a grande vantagem de envolver a sociedade e remunerar pessoas e grupos sociais que adotam ações como separação por tipo de lixo, visando sua reciclagem; uso de fontes de energia limpa e renováveis, como energia solar, energia eólica e biomassa; uso de biocombustíveis, como o etanol e biodiesel; uso de internet para fazer reuniões; e plantio de árvores que fornecem sombra, fixam carbono e geram conforto térmico.
O Brasil é uma referência em PSA e atuou no G20 para se criar financiamento visando à conservação de florestas tropicais, com apoio de países ricos e instituições financeiras. Na COP28, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, realizada no fim de 2023, foi anunciada a iniciativa Florestas Tropicais para Sempre. E em abril deste ano, a ministra Marina da Silva se reuniu com representantes da Colômbia, Gana, Indonésia, Malásia e República Democrática do Congo para apresentar a proposta brasileira de um fundo global que financie a conservação de florestas tropicais. Segundo a ministra, “trata-se de um mecanismo de pagamento por performance, baseado, neste caso, na floresta em pé dos países que já vem conservando suas florestas tropicais”.
Mais recentemente, o Brasil recebeu no Rio de Janeiro, quatro reuniões do grupo de trabalho Trilha das Finanças, que trata de assuntos macroeconômicos estratégicos e é comandada pelos ministros das Finanças e presidentes dos Bancos Centrais dos países-membros do G20. Durante o encontro, Marina da Silva apresentou o projeto de se captar 125 bilhões de dólares de países ricos e de instituições financeiras para proteger biomas vitais, reduzir as emissões de carbono e preservar a biodiversidade global. Batizado de Tropical Forest Finance Facility (TFFF), o fundo tem por objetivo remunerar países detentores de florestas tropicais que adotarem práticas de conservação. Com isso, espera-se oferecer pagamento pelos serviços ecossistêmicos decorrentes da conservação de aproximadamente 1 bilhão de hectares de florestas .
Enfim, a responsabilidade pelas mudanças climáticas não é apenas de governos, instituições públicas, cooperativas e empresas. É fundamental que cada um de nós -nas cidades grandes, médias e pequenas, nas áreas periurbanas e nas áreas rurais- assuma suas responsabilidades, individuais e coletivas, com relação às mudanças do clima.