O estudo 2025 Travel & Sustainability Report, da Booking.com, revela um movimento irreversível no comportamento dos viajantes: a busca por experiências que gerem impacto positivo real nos destinos. A pesquisa indica que, mais do que boas intenções, há uma mudança concreta nas escolhas e nos hábitos de quem viaja: uma sinalização clara de que o turismo precisa deixar de ser extrativista para se tornar regenerativo.
Em primeiro lugar, cresce a consciência de que viajar implica responsabilidade. Entre os brasileiros entrevistados, 57% afirmam que pretendem evitar o desperdício e o mesmo percentual quer reduzir o impacto sobre a vida selvagem nas próximas viagens.
Além disso, 54% manifestam a intenção de consumir menos energia durante a estadia. Essa mudança de postura revela que sustentabilidade deixou de ser discurso genérico e passou a estar presente em decisões práticas do cotidiano do viajante — do hotel escolhido ao passeio contratado, da forma de se locomover ao consumo local.
Os dados globais reforçam esse cenário. 73% dos viajantes desejam que o dinheiro gasto em suas viagens retorne à comunidade local, seja por meio de comércio independente, experiências culturais genuínas ou empreendimentos conduzidos por moradores. Ainda, 77% afirmam buscar experiências autênticas que reflitam a cultura local, e 53% dizem respeitar sempre ou frequentemente os costumes e tradições do destino. É um sinal potente de que autenticidade não se compra: se constrói com diálogo entre visitantes e residentes.
Outro aspecto marcante é a necessidade de regeneração. Os viajantes querem deixar os lugares que visitam melhores do que encontraram e essa simples frase redefine a lógica do turismo. Já não basta minimizar danos; é preciso devolver, restaurar, participar. Significa apoiar iniciativas de conservação ambiental, escolher experiências conduzidas por comunidades tradicionais, e entender que cada escolha de viagem é um ato político e cultural.
“É muito interessante acompanhar essa relevante mudança no comportamento do consumidor ao longo dos anos. Mas ainda vejo que há um gap enorme que precisa ser trabalhado pelo setor de turismo, não apenas no papel do agente de viagem, mas também por parte das operadoras, da hotelaria e dos destinos.
As operadoras não se preocupam em incentivar ou dar destaque a fornecedores locais que atuam de maneira mais responsável. Os hoteleiros têm uma dificuldade enorme em comunicar quais são suas práticas sustentáveis; hoje, muitas empresas já fazem alguma coisa, mas guardam isso na gaveta ou apenas para o relatório para investidores. E os destinos enfrentam um desafio imenso em equilibrar políticas públicas, setor privado e a divulgação do destino.” Comenta Alice Assad, fundadora e consultora de viagens da Fauna Viagens.
Esses números, quando observados em conjunto, revelam algo maior que comportamentos isolados: um redesenho estrutural na forma como viajamos. Se antes o turismo se organizava em torno do consumo, hoje se alicerça sobre três pilares essenciais: consciência, cuidado e intenção. Viajar torna-se uma extensão da forma como desejamos ocupar o mundo — com leveza, respeito e responsabilidade compartilhada.
Caso ainda não esteja convencido… Veja como isso impacta o destino, a comunidade e o morador
Os “outros lados” desse ciclo também se manifestam: as comunidades locais também têm voz e expectativas. O relatório revela que moradores em destinos turísticos apontam:
- 38% relatam tráfego ou congestionamento como principal problema.
- 35% mencionam o acúmulo de lixo ou descarte inadequado.
30% apontam superlotação em espaços públicos. - 29% citam o aumento do custo de vida associado ao turismo.
- Apenas 48% dos moradores acreditam que existe “a quantidade certa de turismo” em suas regiões.
E mesmo diante desses desafios, mais da metade (57%) dos moradores acredita que o turismo tem impacto positivo em seu local — mas não acredita que limitar visitantes seja a solução principal. Muito mais desejada é o investimento em infraestrutura local: transporte (38%), gestão de resíduos (37%), conservação ambiental (32%).
Isso significa que o bem-estar da comunidade local passa a ser um critério tão relevante quanto a experiência do turista. Ou melhor: não existe experiência para o turista se o local não estiver bem.
Como incorporar no produto e no portfólio
Aqui vão práticas aplicáveis, alinhadas com a abordagem da Fauna Viagens, que ajudam a transformar intenção em ação:
- Curadoria de fornecedores responsáveis
Identificar e trabalhar com prestadores que vivem práticas de consumo consciente, que valorizam comunidades e minimizam impactos ambientais. - Experiências que conectam
Não basta “ver”, é essencial “participar”. Caminhadas guiadas por moradores, trocas culturais, estadias em acomodações que respeitam e promovem modos de vida locais. - Mensuração e narrativa
Cada viagem pode (e deve) comunicar seu propósito: quanto de área foi preservada, quanto da economia local foi reforçada, qual cultura foi valorizada. Exemplos visíveis ajudam a contar a história ao viajante — e ao morador.
E talvez essa seja a grande beleza desse novo momento: perceber que o viajante não é mais espectador, mas parte ativa do destino. Que o impacto não é inevitavelmente negativo — pode ser positivo, transformador e recíproco. E que o futuro do turismo está justamente na capacidade de construir relações mais humanas entre quem chega e quem recebe.
“Fico contente em ver resultados concretos dessa mudança do consumidor, mas esse gap entre demanda e oferta precisa ser trabalhado por meio de um letramento da cadeia do turismo — sobretudo porque os clientes não são explícitos em suas demandas. Eles não dizem “quero uma viagem sustentável”: eles escolhem a partir do que lhes é oferecido. E, se não é ofertado aquilo que realmente desejam, já temos um ponto de frustração.” Finaliza Alice.
No fim das contas, viajar não é sobre ir para longe — é sobre ir mais fundo.





